terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Um pra lá, dois pra cá

Ultimamente, não tenho achado nada mais apropriado para definir o casamento (ou uma relação estável entre duas pessoas) do que as danças de salão.

Não importa se é algo tradicional e conservador como a valsa ou a polca, se é movido por profundas paixões como o tango, se é mais temperado como a salsa, ou se é um sensual balançar de coxas como a gafieira; as danças de salão são sempre executadas socialmente por um casal e o sucesso dessa executação depende da sintonia entre os dois membros do par.

Mesmo sem uma mesa de jurados nem um auditório para aplaudir e dar seu voto, se eles não estiverem afinadíssimos, acabam por perder pontos no relacionamento. E tudo se complica um pouco mais quando há um terceiro dançarino, porque é preciso ensiná-lo os passos de uma dança que ainda se está aprendendo.

Há quinze meses, nossa menina se juntou à dupla e continuamos a nos sentir extremamente inseguros na pista do salão. Será que estamos fazendo certo? Será que estamos lhe ensinando o que é certo? Será que estamos lhe dando muito amor e colo e tornando-a uma menina emocionalmente dependente?

Sete semanas de férias no Brasil e outras duas na Índia foram uma prova difícil e quase colocaram 10 meses de aprendizado em risco de desclassificação. Num ambiente estranho e com pessoas pouco conhecidas, ela voltou a dormir comigo, na mesma cama. Era como dar um passo pra frente e dois pra trás, estragando todo o ensaio anterior. E eu sinceramente temia que precisaríamos de um longo tempo para retomar do ponto onde havíamos parado.

Felizmente, minha filha provou ter um talento que nós dois desconhecíamos e acabou nos surpreendendo alguns dias após voltarmos pra casa, em definitivo. Agora, não apenas ela só dorme no próprio berço, como já mostra sinais de estar incomodada com a lâmpada de cabeceira acesa e de querer a luz apagada na hora de se entregar ao sono. Além disso, depois de, acidentalmente, jogar pra fora do carrinho as duas únicas chupetas brasileiras que havíamos trazido para a Inglaterra, ela deu mais um passo em direção à independência emocional e hoje é uma criança livre de qualquer calmante artificial aceitável pra sua idade, seja ele um bico, um polegar ou a ponta de um travesseiro.

Mas o que de fato colocou nosso trio amador de dançarinos de volta às pistas de dança e com boas chances de arrancar aplausos da plateia é a coreografia solo da minha filha: apesar de ainda parecer um pequeno ser com alto grau de embriaguez, ela já dá seus próprios passos sozinhas e tão logo reconheça o ritmo de uma valsa, tango, samba ou bhangra mostra o gingado que tem nos pés.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Parenti Serpenti

Eu tinha apenas 17 anos e não passava pela minha cabeça os conceitos de casamento e filhos, quando o filme de Mario Monicelli (Parenti Serpenti) foi lançado em 1992.

Parecia ser uma típica história familiar dos nossos tempos modernos, em que quatro irmãos vão passar as festas de fim de ano na casa dos pais e recebem um presente de Natal inesperado: eles precisam decidir quem vai cuidar dos progenitores já idosos. É neste momento que o espírito natalino dá lugar às antigas e mal-resolvidas brigas de família e o restante dos 105 minutos do filme transcorrem de maneira, mais ou menos, previsível até chegar a um clímax, no mínimo, macabro.

“Você escolhe os amigos, mas não os parentes”, é o que dizem e todos temos nossas rusgas e contendas com algum primo, tio, cunhado ou irmão. Mas arquitetar um plano tão sórdido como fizeram Lina, Milena, Alessandro e Alfredo é um pouco extremo...

Bem, até se unir com um homem de outra casta-religião-e-cultura e receber um dote inesperado de casamento: dezenas de novos parentes, embrulhados em metros e mais metros de turbante e dupatta! E alguns deles debaixo do mesmo teto, por duas semanas.
Que eram, apenas, pra ser umas férias para celebrar o solstício de inverno (Lohri) na casa dos sogros, mas acabaram sendo 15 dias em que as questões mal-resolvidas entre mim e o resto da família do meu marido vieram à tona.

Porque, durante aquele "período de descanso" em Nova Déli, sempre tinha alguém com uma opinião sobre como eu deveria cuidar da minha própria vida, de como era quase obsceno eu acordar depois do meio-dia (apesar da diferença de fuso de mais de 5 horas e do fato da minha Pequena não dormir antes das 3h da mandrugada), do comprimento exato para o meu cabelo e meus kurtis, da falta de propósito em eu usar meus anéis nos dedos dos pés, do quão saudável ou não era a chupeta pra minha filha (ouvi, inclusive, um sermão sobre isso da gerente do banco onde meu sogro trabalha), dos horários e do tipo de comida que deveria servir ao meu marido (!), da maneira que tinha de preparar meu risotto de cogumelo, da hora apropriada pra dar o banho na minha menina, etc...

Desta vez, não consegui escapar nem dos comentários da criadagem e até a cozinheira não se conteve no seu cubículo cheio de panelas engorduradas com ghee e manchadas com turmeric e me perguntou por que eu não estava esquentando a barriga perto do fogão! Afinal de contas, era meu dever, como primeira nora, alimentar os membros daquela família e tomar conta da casa.

Dezenove anos depois do lançamento do filme, a história de Monicelli não me parece mais tão sórdida e macabra assim. Já é bem difícil conviver com nossas próprias serpentes de sangue (que não escolhemos mas que cercam nosso ninho desde a infância), mas ter que engolir, por anos a fio, a peçonha de primos, tios, cunhados, irmãos e pais que ganhamos por lei pode exigir um pouco de paciência e muita inspiração nas tragédias italianas modernas.