domingo, 12 de junho de 2011

E agora, José?

Desde que minha filha nasceu, tenho quase travado uma luta para tê-la só para mim, ao ponto de logo ter aprendido a ir ao banheiro com um bebê nos braços!

Sim, a pessoa que nunca hesitou em deixar uma cidade e começar tudo de novo em outra, que nunca contemplou a ideia de casar e constituir família e que absolutamente nunca se imaginou como mãe, finalmente capitulou diante da criaturinha mais adorável que já tinha passado pela sua vida, concebida e saída das próprias entranhas.

E eu nunca amei tanto e tão intensamente um ser vivo quanto eu amo a minha Y.  E a recíproca parece verdadeira. Pelo menos até ela tomar plena consciência do mundo ao seu redor e for fazendo novas e mais interessantes amizades. Mas, por enquanto, o amor da minha filha por mim é incondicional. Ela não liga para o meu peso, para a minha aparência, para as minhas fraquezas e os meus erros do passado (e os que continuo cometendo no presente). Tudo o que lhe importa é o agora, a atenção e o carinho que lhe proporciono hoje.

Foi por isso que minha dor não poderia ter sido mais intensa, quando recebi um e-mail contendo um texto supostamente de autoria de José Saramago e me dei conta da finitude desse meu momento com minha Pequena.
Devemos criar os filhos para o mundo. Torná-los autônomos, libertos, até de nossas ordens. A partir de certa idade, só valem conselhos. (...)

Então, filho é um ser que nos emprestaram para um curso intensivo de como amar alguém além de nós mesmos, de como mudar nossos piores defeitos para darmos os melhores exemplos e de aprendermos a ter coragem. Isto mesmo! Ser pai ou mãe é o maior ato de coragem que alguém pode ter, porque é se expor a todo tipo de dor, principalmente da incerteza de estar agindo corretamente e do medo de perder algo tão amado.
Perder? Como? Não é nosso, recordam-se? Foi apenas um empréstimo! Então,
de quem são nossos filhos? Eu acredito que são de Deus, mas com respeito
aos ateus digamos que são deles próprios, donos de suas vidas, porém, um
tempo precisaram ser dependentes dos pais para crescerem, biológica,
sociológica, psicológica e emocionalmente.
E o meu sentimento, a minha dedicação, o meu investimento? Não deveriam
retornar em sorrisos, orgulho, netos e amparo na velhice? Pensar assim é
entender os filhos como nossos e eles, não se esqueçam, são do mundo!
Como seria bom se não fossem apenas empréstimo! Mas é. Eles são do mundo. O problema é que meu coração já é deles. É a mais concreta realidade. Só resta a nós, mães e pais, rezar e aproveitar todos os momentos possíveis ao lado das nossas ‘crias’, que mesmo sendo ‘emprestadas’ são a maior parte de nós !!!

É claro que ela é do mundo! Ela é a própria convergência do Oriente com o Ocidental, o encontro do Sikhismo fervoroso com o cristianismo pouco praticado, a mistura do samba com a música Bhangra, das masalas indianas com o temperinho brasileiro. E talvez seja precisamente essa a razão de eu querer mantê-la no ninho por mais tempo; de eu não desejar dividi-la, principamente com potenciais figuras maternas que podem me substituir; de eu estar com tanto medo deste vasto mundo ao qual ela pertence.

Porque, desde que ela nasceu, esse mesmo mundo se tornou um lugar mais perigoso aos meus olhos. E não são apenas os perigos mais óbvios que me assustam, como doenças e a violência. Toda vez que vamos ao parque brincar no playground da cidade, um tipo de interação com as outras crianças sempre me deixa apreensiva: quando há o empurra-empurra para descer no escorregador ou dirigir o carrinho.
Não sei se ela tem uma natureza mais pacífica ou se, de fato, fica intimidada com os maiores e mais fortes, mas o fato é que ela simplesmente não reage. Ela só se senta e observa os outros. Inerte... Eu posso até encorajá-la a lutar pela sua vez ou tirá-la do meio do caos infantil, mas não vou conseguir protegê-la o tempo todo de todos! E essa impotência me dói profundamente.

O escritor, jornalista, dramartugo, romancista e poeta português passou quase 90 anos nesse mundo, mas não deixou a explicação de como fazer isso: de como retornar o empréstimo de algo que foi intrinsecamente meu por 39 semanas; de como me acostumar a viver novamente sem a exclusividade desse amor incondicional; de como não sentir todas as dores e os sofrimentos passados pela extensão mais preciosa (e, no momento, indefesa) de mim mesma?

(...) E agora, José?
Você que faz versos,
que ama, protesta?
E agora, José?


quinta-feira, 9 de junho de 2011

Admirável Mundo Verde

Até sete anos atrás, eu não acreditaria se alguém me dissesse que existia sabor fora do mundo dos carnívoros.

Sendo uma ovo-lacto-vegetariana desde os 16 anos, passei mais de uma década no Brasil numa monótona dieta de "qualquer coisa" com queijo, além de ter minhas opções cerceadas a um canto afastado nos restaurantes brasileiros (de preferência perto dos banheiros, pois quem está interessado em comer alface numa churrascaria?) ou a cardápios pouco atraentes nos estabelecimentos comerciais para essa crescente minoria (por que a comida integral tem que ser tão insossa no locais "verdes"?)

Até que, em 2004, descobri um universo fantástico e altamente explorado de refeições sem carne nem peixe...
Na Índia, é claro. Na terra onde o vegetarianismo é tão sagrado quanto o próprio Hiduísmo e onde os sacerdotes da casta mais elevada dessa religião, os Brahmins, não podem comer nem ovo para realizar seus rituais nos templos hindus; na cultura que despreza tanto os carnívoros que tem senhorio (especialmente na parte dravidiana do país) que não aluga sua propriedade para não-vegetarianos!

E foi nesse canto do mundo que descobri como um simples arroz branco ganha novo sabor só com um pouco de sementes de cominho; que uma sopa-creme de cenoura se transforma com a adição de gengibre; que beringela e espinafre podem ser saborossímos quando contêm um pequeno pedaço de pimenta; que lentilhas podem ser tão coloridas quanto um arco-íris e não precisam ficar restritas à última refeição do ano.

E mesmo para os que possuem um estômago mais sensível e não toleram muito bem uma comida picante, não é difícil de se encontrar ótimas receitas sem carne. Desde março, quando voltei da minha mais recente visita à casa da sogra (e pude ver meninas com pouca educação prepararem delícias a partir de ingredientes básicos), decidi que não é preciso ser um PhD para ter algum domínio sobre a arte da gastronomia, e literalmente coloquei minhas mãos na massa.

Em cerca de três meses, aprendi a fazer o queijo (paneer) e os pães (chapati e parantha) indianos como se fosse uma nativa e, então, comecei a explorar novos territórios de outras culinárias mais refinadas. Aos poucos, fui descobrindo como também é possível ser extremamente original com comidas já consideradas tradicionais.

Os colonos italianos do sul do Brasil, por exemplo, ficariam surpresos de ver sua polenta grelhada e servida com molho à base de vinagre balsâmico e cogumelos, raspas de queijo parmesão e rúcula! Outros ficariam perplexos em comer torradas com queijo roquefort e pêras grelhadas com azeite e mel!

Delícias que me fizeram perceber como muitos de nós crescem com um tipo de alimento e não imaginam (nem tentam imaginar) que há várias e igualmente saborosas maneiras de comer a mesma coisa. Como um persongem saído das páginas de Aldous Huxley, condicionado biológica e psicologicamente a viver de acordo com as regras (e comidas) de uma sociedade. Mas não fui a única a perceber isso. Até minha sogra ficou deliciada quando experimentou meu molho pesto pela primeira vez em seus 58 anos de muita pimenta e pouco alho. E pediu a receita! E talvez venha a pedir outras.

Porque, para explorar o admirável mundo verde, não é preciso ser bravo. Basta ter fome por boa comida e um estômago aventureiro!