terça-feira, 5 de junho de 2012

Os versos da minha maternidade

Durante todos os meus anos como mulher adulta, eu costumava olhar para os erros, enganos e desvios cometidos no meu caminho como 'blessings in disguise', bênçãos disfarçadas que me tornavam um ser humano melhor e mais experiente. Nunca houve espaço para arrependimento.
As pessoas entravam e saíam da minha vida por alguma razão; eu entrava e saía de lugares por algum motivo; acertos e desacertos aconteciam para provocar alguma reação; e eu seguia a jornada com feridas bem cicatrizadas ou alguns quelóides dolorosos.
Até que, no meio da minha estrada evolutiva, a porta para a maternidade se abriu e, com ela, entrou o dever winnicottiano de ser uma "mãe suficientemente boa", de não fazer nada aquém nem além do necessário para o pleno desenvolvimento das potencialidades da minha criança, de criar um ambiente seguro e afetivo para o meu bebê crescer, piscológica e fisicamente, da maneira mais saudável possível.
Foi neste momento, dois anos e 7 meses atrás, que caminhões e mais caminhões de remorso e culpa começaram a se acumular no canto mais precioso do meu coração, porque não consigo ser a mãe idealizada pelo pediatra inglês Donald Winnicott. Não consigo nem ser razoavelmente boa, apesar de todo o amor que tenho pela minha filha.
Sou um produto neurótico do meu meio familiar, um ato falho materno e, mesmo errando com as melhores das intenções, já sinto nos ombros o peso saturniano das faltas cometidas contra minha própria prole; já vejo outro inglês, o poeta Philip Larkin, sentado na quinta casa do meu mapa astral, me olhando por trás das lentes de seus óculos e com um sorriso cínico no canto da boca a me sussurrar: "This be the verse [of your motherhood]."

They fuck you up, your mum and dad.
  They may not mean to, but they do.
They fill you with the faults they had
  And add some extra, just for you.

But they were fucked up in their turn
  By fools in old-style hats and coats,
Who half the time were soppy-stern
  And half at one another's throats.

Man hands on misery to man.
  It deepens like a coastal shelf.
Get out as early as you can,
  And don't have any kids yourself.

Só espero que algum dia, depois de sair de casa cheia de traumas, neuroses e rancores pelas faltas da mãe, minha filha possa me compreender e me perdoar. Porque, ainda que eu mesma tenha sido 'fodida' na cabeça, nunca me arrependi da porta que se abriu no meio da minha estrada evolutiva.