quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Different is good

Não consegui traçar a origem exata desta tradição, mas meu palpite é que o baile de debutante (ou "the coming-out party", em inglês) tenha raízes tão remotas quanta a mais antiga das monarquias européias, a Família Real Dinamarquesa. E essa ligação fica mais evidente quando se descobre que o costume de apresentar, formalmente à sociedade, as jovens da nobreza em idade de casar era tão importante em algumas cortes (como a londrina do século XIX) que marcavam o início da temporada social daquele país.
Com o passar dos anos, no entanto, a prática foi perdendo prestígio e significado até perder, por completo, o apoio da Rainha Elizabeth II e ser abolida dos salões reais da Grã Bretanha em 1958.
E, apesar de ainda persistir em ciclos menos nobres da sociedade de diversas partes do mundo, o outrora importante baile deu origem linguística a outro fenômeno social mais contemporâneo. "Coming-out of the closet" se tornou uma figura de linguagem para as minorias que assumíam, publicamente, uma diferente orientação sexual ou identidade de gênero.
E tudo começou em 1869, quando o alemão Karl Heinrich Ulrichs defendeu, pela primeira vez na História, os direitos dos homossexuais e pregou a ideia de "sair do armário" como uma forma de emancipação e de mudança na opinião pública.
Quase 150 anos mais tarde, o movimento ainda está em sua infância e muito ainda precisa ser feito para se alterar antigos preconceitos e difundir o slogan de que "gay is good".
E parece que o maior obstáculo sempre começa em casa, num ambiente familiar rigoroso.
Não importa muito se a questão é sexual, religiosa ou relacionada com a cultura, tudo o que é diferente e se opõe ao modo de pensar e de agir daquele determinado grupo de pessoas acaba virando tabu (e uma batalha pessoal a ser travada).
A minha começou três anos atrás, no dia em que entrei para uma nova família pelas portas do casamento e passei a fazer várias coisas (como deixar o cabelo crescer), para ser aceita entre os membros da religião do sikhismo. E lá se foram mais de mil dias da minha vida tentando me encaixar num armário pequeno demais para conter minhas largas medidas de liberdade e ousadia.
Até o 23 de agosto, quando as longas madeixas de mulher (praticamente) indiana deram lugar aos curtos fios da tomboy brasileira.
Foi um alívio pôr fim ao fingimento.
Foi uma alegria redescobrir minha identidade e rever meu redemoinho.
Foi muito bom voltar.
Mas ainda não saí do armário.
Meus sogros ainda não viram minha drástica mudança capilar e ainda não tive meu baile de debutante para ser devidamente apresentada à sociedade Sikh. O que eles conhecem é a grávida de cinco meses que se converteu e se casou às pressas, fazendo um monte de promessas incabíveis num idioma que não entendia, só para dar um pai à criança que esperava.
Está na hora de eles terem um encontro com a gaúcha de 37 anos que nasceu acidentalmente no Rio; vegetariana; católica nada-praticante; ex-jornalista; diarista da família em tempo integral e mãe da neta deles (que carrega metade dos meus genes e da minha cultura).
Está na hora de esses seguidores do sikhismo (cujas escrituras sagradas "enfatizam o princípio da igualdade de todos os seres humanos e rejeitam a discriminação por sexo, casta e credo) provarem que o diferente também é muito bom.
 

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

A Medalha de Prata

Eu só vim conhecer Andy Murray no começo de julho de 2012, quando a imprensa britânica iniciava sua intensa campanha para promover (para as grandes massas incultas - eu incluída) a conquista deste escocês que entraria para a história do tênis nacional.
Segundo as manchetes dos jornais e as chamadas na TV, o jovem de 25 anos era o primeiro, em mais de 70 anos, a colocar o Reino Unido numa final de Wimbledon. Ou seja, desde 1936 (em 38, Bunny Austin conseguiu apenas o segundo lugar), quando Fred Perry venceu o torneio mais antigo e prestigiado do mundo pela última vez, a bandeira da Union Jack não era içada no pódio daquele estádio.
Mas o garoto de Dunblane que havia sobrevivido ao massacre na Escola Primária do vilarejo, em 1996 (no qual 16 crianças e uma professora foram mortas a tiros por Thomas Hamilton), não escapou à carnificina esportiva que tomou conta da quadra central de Wimbledon, no dia oito de julho de 2012.
Ali, do outro lado da rede, a experiência de Roger Federer (com, então, 16 títulos em Grand Slams) viravam o jogo contra um homem e toda a sua nação de maneira tão elegante e comedida que parecia que o suíço era desprovido de qualquer sentimento. Até o ponto final, quando Federer desabou no chão em lágrimas e retribuiu os aplausos da plateia com vários dos seus cativantes sorrisos.
Quem também chorou muito com o resultado foi o próprio Murray, que sentiu ter desapontado quinze mil amantes do esporte em Wimbledon e outros quinze milhões de espectadores que assistiam à partida pela TV e o incentivavam com palavras de apoio do tipo Go Andy! Mas, num discurso emocionado antes da entrega dos troféus, o escocês consolou os fãs britânicos dizendo que estava próximo de um título.
Parecia um presságio.
Andy estava mais perto de uma vitória do que todos podiam imaginar.
Menos de um mês depois da final do Torneio, os dois se encontrariam novamente no mesmo campo de batalha, a sudoeste de Londres. Mas, desta vez, o prêmio que estava em disputa era uma medalha olímpica. E o jovem Murray lutou muito em uma hora e 56 minutos de jogo e mereceu cada uma das seis gramas de ouro da peça de metal que conquistou para pendurar no pescoço.
Suas lágrimas, naquele domingo, pareciam mais de alívio do que de alegria, pelo fim da responsabilidade de atender às expectativas de mais de 60 milhões de britânicos. No dia cinco de agosto de 2012, Andrew Murray se tornava o primeiro cidadão da Grã Bretanha a ganhar uma medalha de ouro no tênis masculino, desde 1908. E a primeira pessoa que ele foi procurar na arquibancada para dividir sua vitória não foi o pai (com quem viveu desde os 9 anos, depois da separação dos progenitores) nem a mãe (ex-jogadora e treinadora do esporte na Escócia), mas a namorada Kim Sears.
E foi naquele momento que esta brasileira chorou.
Chorei por Judy Murray. 
Chorei porque também sou mãe e sei das coisas que fazemos ou deixamos de fazer por eles; chorei pelas noites mal-dormidas e pelos dias do mais debilitante cansaço; chorei pelas alegrias e tristezas que nos dão; e chorei pelos erros que cometemos e cometeremos, imaginando ser o melhor para nossas crianças.
Sim, Judy pode ter sido uma mãe severa e uma profissional rigorosa, pode ter tido demasiada influência no filho e pode ter tomado as decisões erradas que atrasaram a carreira de Andy, mas, naquele dourado domingo de agosto, ela ficou com o amargo segundo lugar.
E foi por isso que eu chorei.
Não importa quanta dedicação e amor coloquemos nesta relação, chega um dia, na vida de nossos filhos, que ficamos apenas com a medalha de prata em seus corações.