Este ano, o Natal chegou mais cedo pra mim.
Foi no dia 22 de dezembro, durante o aniversário de quatro anos da filha de uma amiga minha. Não que o Papai Noel tenha caducado de vez e entrado pela chaminé da casa da Salisbury Road antes do previsto. O meu presente foi, na verdade, algumas das comidas servidas na festa.
Logo que chegamos no lugar, dei uma olhada rápida na mesa posta e cheia de doces coloridos e salgadinhos artificiais e achei que teria problemas diplomáticos com a mãe da aniversariante, ao tentar explicar para minha filha por que ela não poderia ingerir aquele tipo de 'alimento'. Mas minha menina ficou tão ocupada com os jogos e as brincadeira da festinha que não passou nem perto do 'canto proibido'.
Quem foi seduzida, em várias oportunidades, pela serpente da gula fui eu mesma.
E o diabo com a bandeja tentadora não vestia Prada, mas tinha um sorriso redondo e convidativo nos lábios ao me convencer a provar os sanduíches que ela tinha feito em casa, especialmente para mim.
Assim, depois de mais de dois meses sem comprar nem consumir ovos (e passando - com sucesso - por uma torturante e sofrível fase de síndrome de abstinência), eu finalmente sucumbi àqueles deliciosos triângulos de pão integral, recheados com maionese e ovos cozidos. Não uma, nem duas, mas três pecaminosas vezes. Alguns ainda tinham queijo, o que consequentemente aumentou o peso da minha culpa.
Mas espera aí. Culpa? Por comer laticínios e ovos cozidos? Não eram nem fritos! Além do mais, a gema já foi absolvida pelos médicos e não eleva o mau colesterol! Ninguém saiu prejudicado, então por que a culpa?
Bem, já é bastante difícil explicar as razões por trás do veganismo para os indianos acostumados à ideia do vegetarianismo. Como refutar o sólido argumento de que o leite de vaca bebido pelo rei Rama (o sétimo avatar do deus Vishnu, segundo as escrituras sagradas hindus) é igualmente puro e, portanto, digno de ser consumido? Como contestar a crença religiosa milenar de que tudo que vem do tal quadrúpide ruminante da família dos bovídeos é sagrado? Como destruir a ilusão de que, desde a metade do século passado, os mamíferos das raças leiteiras também são tratados com crueldade na Índia, para que a indústria alimentícia consiga dar conta (com lucro) da alta demanda de seus produtos e derivados no país.
Agora, imaginem como é complicado tocar no assunto com não-vegetarianos, ainda mais quando a alimentação de uma menina de três anos está em jogo!
Se antes da minha filha começar a desmamar eu já sofria críticas sobre a minha decisão de não oferecer carne de espécie alguma a ela, depois que me resolvi pelo veganismo a censura à minha irresponsabilidade tem sido ainda maior. Mas me parece que o que as pessoas, na verdade, condenam na minha atitude não é a questão da saúde dela a longo prazo (porque a maioria sabe que eu me preocupo muito em dar a ela uma dieta diversificada e colorida, rica em frutas, verduras, leguminosas e cereais integrais), mas no fato de que está sendo 'privada' das coisas boas da vida e de que ela deveria ser a responsável por essa escolha, não a mãe!
Sim, no tempo certo ela vai ser.
Eu optei pelo vegetarianismo aos 16 anos, mas ela só tem três e, por mais esperta que seja, não apresenta condições intelectuais para tomar uma decisão dessas no momento!
E esse é o real dever dos pais: ensinar o certo do errado (mesmo que seja errado só para eles). Não é função nossa nos sentarmos com os filhos e mandá-los decorarem o alfabeto ou a tabuada. Isso eles vão aprender na escola. Mas é em casa que se formam os hábitos alimentares e é no prato que pretendo passar para minha filha o mais importante (e negligenciado) dos dez mandamentos: não matarás. Nem uma vida. Pois é possível viver a sua própria de maneira saudável e saborosa, sem prejudicar a dos outros, a das outras espécies.
E foi isso que ganhei de Natal esse ano: o pecado, a culpa e o arrependimento.
Sim, eu sinto muita falta de queijo e ovos e meu mundo vai ficar bem diferente sem pizzas e sorvetes 'tradicionais'. Mas ceder aos prazeres da carne (e da pequena porção de carne restrita ao interior da boca e à língua) pelo sacrifício de outros tipos de carne não é mais uma opção pra mim.
Mas essa resolução de Ano Novo minha já tinha sido tomada em meados de setembro. A nova é que não vou mais me deixar levar pela tentação com medo de ferir os sentimentos de amigos não-vegetarianos.
Foi no dia 22 de dezembro, durante o aniversário de quatro anos da filha de uma amiga minha. Não que o Papai Noel tenha caducado de vez e entrado pela chaminé da casa da Salisbury Road antes do previsto. O meu presente foi, na verdade, algumas das comidas servidas na festa.
Logo que chegamos no lugar, dei uma olhada rápida na mesa posta e cheia de doces coloridos e salgadinhos artificiais e achei que teria problemas diplomáticos com a mãe da aniversariante, ao tentar explicar para minha filha por que ela não poderia ingerir aquele tipo de 'alimento'. Mas minha menina ficou tão ocupada com os jogos e as brincadeira da festinha que não passou nem perto do 'canto proibido'.
Quem foi seduzida, em várias oportunidades, pela serpente da gula fui eu mesma.
E o diabo com a bandeja tentadora não vestia Prada, mas tinha um sorriso redondo e convidativo nos lábios ao me convencer a provar os sanduíches que ela tinha feito em casa, especialmente para mim.
Assim, depois de mais de dois meses sem comprar nem consumir ovos (e passando - com sucesso - por uma torturante e sofrível fase de síndrome de abstinência), eu finalmente sucumbi àqueles deliciosos triângulos de pão integral, recheados com maionese e ovos cozidos. Não uma, nem duas, mas três pecaminosas vezes. Alguns ainda tinham queijo, o que consequentemente aumentou o peso da minha culpa.
Mas espera aí. Culpa? Por comer laticínios e ovos cozidos? Não eram nem fritos! Além do mais, a gema já foi absolvida pelos médicos e não eleva o mau colesterol! Ninguém saiu prejudicado, então por que a culpa?
Bem, já é bastante difícil explicar as razões por trás do veganismo para os indianos acostumados à ideia do vegetarianismo. Como refutar o sólido argumento de que o leite de vaca bebido pelo rei Rama (o sétimo avatar do deus Vishnu, segundo as escrituras sagradas hindus) é igualmente puro e, portanto, digno de ser consumido? Como contestar a crença religiosa milenar de que tudo que vem do tal quadrúpide ruminante da família dos bovídeos é sagrado? Como destruir a ilusão de que, desde a metade do século passado, os mamíferos das raças leiteiras também são tratados com crueldade na Índia, para que a indústria alimentícia consiga dar conta (com lucro) da alta demanda de seus produtos e derivados no país.
Agora, imaginem como é complicado tocar no assunto com não-vegetarianos, ainda mais quando a alimentação de uma menina de três anos está em jogo!
Se antes da minha filha começar a desmamar eu já sofria críticas sobre a minha decisão de não oferecer carne de espécie alguma a ela, depois que me resolvi pelo veganismo a censura à minha irresponsabilidade tem sido ainda maior. Mas me parece que o que as pessoas, na verdade, condenam na minha atitude não é a questão da saúde dela a longo prazo (porque a maioria sabe que eu me preocupo muito em dar a ela uma dieta diversificada e colorida, rica em frutas, verduras, leguminosas e cereais integrais), mas no fato de que está sendo 'privada' das coisas boas da vida e de que ela deveria ser a responsável por essa escolha, não a mãe!
Sim, no tempo certo ela vai ser.
Eu optei pelo vegetarianismo aos 16 anos, mas ela só tem três e, por mais esperta que seja, não apresenta condições intelectuais para tomar uma decisão dessas no momento!
E esse é o real dever dos pais: ensinar o certo do errado (mesmo que seja errado só para eles). Não é função nossa nos sentarmos com os filhos e mandá-los decorarem o alfabeto ou a tabuada. Isso eles vão aprender na escola. Mas é em casa que se formam os hábitos alimentares e é no prato que pretendo passar para minha filha o mais importante (e negligenciado) dos dez mandamentos: não matarás. Nem uma vida. Pois é possível viver a sua própria de maneira saudável e saborosa, sem prejudicar a dos outros, a das outras espécies.
E foi isso que ganhei de Natal esse ano: o pecado, a culpa e o arrependimento.
Sim, eu sinto muita falta de queijo e ovos e meu mundo vai ficar bem diferente sem pizzas e sorvetes 'tradicionais'. Mas ceder aos prazeres da carne (e da pequena porção de carne restrita ao interior da boca e à língua) pelo sacrifício de outros tipos de carne não é mais uma opção pra mim.
Mas essa resolução de Ano Novo minha já tinha sido tomada em meados de setembro. A nova é que não vou mais me deixar levar pela tentação com medo de ferir os sentimentos de amigos não-vegetarianos.