No início do século XX, duas importantes ideias foram colocadas em prática.
Ideias essas que mudariam as relações familiares para sempre.
Durante as décadas de 30 e 40, uma série de descobertas tecnológicas permitiram que imagens distantes fossem transmitidas em tempo real e visualizadas numa imensa caixa preta. Era o início da era televisiva que aproximou povos e culturas diferentes, mas (para muitos) afastou membros da mesma família.
Também por volta dessa época, estabelecimentos para o cuidado de crianças estavam sendo formalmente criados pelos governos de alguns países industrializados. E o que começou como lugares (provavelmente tão insalubres quanto as próprias fábricas que os proviam) para manter os filhos das necessárias operárias durante a efervescência da indústria e a Segunda Guerra Mundial, acabou se institucionalizando e recebendo o status de educacional e pedagógico.
Hoje, as creches se tornaram parte normal na vida de uma família moderna cujos pais precisam voltar a trabalhar, mesmo com a recente chegada de um novo e indefeso indivíduo. Na verdade, alguns especialistas na área da educação e da psicologia chegam a afirmar que elas são uma fase fundamental no desenvolvimento da criança que ali aprendem a dividir, a ter estrutura e a socializar com seus pares. Afinal de contas, nas creches só há profissionais treinados em lidar com nossos adoráveis monstrinhos!
Ironicamente, a Inglaterra (talvez um dos primeiros países a criar e estabelecer essa instituição) oferece vários benefícios em dinheiro para as mães cuidarem de seus rebentos até eles completarem 16 anos de idade! Não é muito (o child benefit paga cerca de 20 libras por semana, por filho), mas já é um começo e poderia ser visto como um incentivo para mantê-las mais tempo em casa. E se isso ainda não é suficiente, um extensivo estudo realizado em 2005, no sistema de saúde britânico, concluiu que as crianças cuidadas por suas mães ou pais (não pelos avós, tios, babás ou professorinhas) nos primeiros três anos de vida são emocionalmente melhores desenvolvidas que as demais que acabam, sim, sendo negligenciadas numa creche. De acordo com a pesquisa, sem o contato físico dos progenitores, as crianças que passam a infância (algumas delas das 9h às 15h, cinco dias por semana) nessas instituições repletas de brincadeiras e atividades pedagógicas acabam se transformando em pequenos seres antissociais!
Infelizmente, a grande maioria das mães não tem o luxo de poder ficar com seus filhos e precisam retornar o mais rápido possível ao trabalho. Por outro lado, largar o emprego e sacrificar alguns anos em prol do desenvolvimento emocional do filho pode deixar sequelas profundas na mulher. Sim, porque antes de virar mães, passamos toda uma existência formando nossas personalidades e lutando como pessoas do sexo feminino contra as injustiças de gênero (no meu caso, foram 34 anos). E não é fácil colocar todo o resto do que éramos antes da maternidade em pausa para sermos simplesmente mães por três longos anos, principalmente quando não se conta com a ajuda dos avós, tios e até do marido ocupadíssimo para criar um filho.
No último ano, tenho passado por momentos cada vez mais frequentes de melancolia e culpa, por não conseguir mais doar tanto tempo da minha vida unicamente para minha filha sem ficar com raiva. Ainda faltam outros 18 meses até ela chegar na idade "correta" para frequentar uma escolinha, mas às vezes penso em recorrer aos profissionais da pedagogia infantil e deixá-la meio-turno numa creche. Mas sempre que tento recordar meus tempos de maternal (e segundo a minha mãe, eu já chegava lá chorando), não me lembro de nada significativamente bom, de ninguém em especial. Na verdade, só me lembro de três traumatizantes incidentes em que rolei abaixo um lance de escada, vomitei com o cheio nauseante de tinta numa aula de artes e no dia em que meu nariz sangrou ao descer no escorregador da instituição. E em todos eles, eu estava sozinha, me sentindo sozinha, sem meus pais por perto e sem a menor ideia de quem me socorreu.
No entanto, eu me lembro vividamente das horas lúdicas assistindo ao Sítio do Picapau Amarelo (e morrendo de medo da Cuca e do Saci Pererê), à novela Chispita, ao Chavez e Chapolin, ao Balão Mágico, além de uma série de desenhos animados no programa da Xuxa. Não sei se passei tempo demais na frente da TV e sofri alguma lavagem cerebral das empresas multinacionais que anunciavam nos intervalos comerciais. Acho que não. Só tive uma boneca Barbie e absolutamente nunca me vesti como a Rainha dos Baixinhos, mas hoje ganho dinheiro trabalhando na tradução e revisão de filmes e séries de TV!!!
Então, por que condenar o meio e seu conteúdo irrestritamente?
Para mim, a boa, velha e tão impopular TV continua sendo a melhor invenção do século XX para distrair a minha filha enquanto tomo conta dos outros afazeres domésticos, principalmente a programação infantil da respeitável televisão pública do Reino Unido, a BBC. Assim, nas manhãs de segunda a sexta-feira, deixo que a minha Pequena assista não a uma loira-modelo-e-manequim com roupas sensuais e desenhos que giram em torno do Bem contra o Mal, mas sim a vários apresentadores de diversas etnias e corpos imperfeitos (um deles inclusive é deficiente físico), com animações cuidadosamente produzidas para estimular as crianças e passar um tipo distinto de moral: o que explica que há outros povos e culturas no mundo, que não devemos maltratar os animais e que a diferença é extremamente saudável.
Essas três horas matinais diante do aparelho de televisão não significam que arranjei uma babá mais barata para cuidar e educar minha filha (já que, neste país, todos pagam uma licença anual para ver os canais de TV abertos). Quando o tempo permite, saímos para ir ao parque onde ela aprende a dividir os brinquedos, a esperar pela sua vez no escorregador e a socializar com outras crianças de cores e idiomas diferentes do dela. Além disso, a minha menina também tem aulas de música nos sábados, mas acompanhada dos pais e de outras famílias igualmente preocupadas em entregar seus filhos para o mundo de maneira gradual e assistida.
Que me perdoem os críticos dessa maravilha (muitas vezes maquiavelicamente utilizada), mas o melhor ajudante desta Homo Maternalis tem sido o programa infantil Cbeebies. Até para conseguir cortar as unhas da minha irrequieta filha.
Ideias essas que mudariam as relações familiares para sempre.
Durante as décadas de 30 e 40, uma série de descobertas tecnológicas permitiram que imagens distantes fossem transmitidas em tempo real e visualizadas numa imensa caixa preta. Era o início da era televisiva que aproximou povos e culturas diferentes, mas (para muitos) afastou membros da mesma família.
Também por volta dessa época, estabelecimentos para o cuidado de crianças estavam sendo formalmente criados pelos governos de alguns países industrializados. E o que começou como lugares (provavelmente tão insalubres quanto as próprias fábricas que os proviam) para manter os filhos das necessárias operárias durante a efervescência da indústria e a Segunda Guerra Mundial, acabou se institucionalizando e recebendo o status de educacional e pedagógico.
Hoje, as creches se tornaram parte normal na vida de uma família moderna cujos pais precisam voltar a trabalhar, mesmo com a recente chegada de um novo e indefeso indivíduo. Na verdade, alguns especialistas na área da educação e da psicologia chegam a afirmar que elas são uma fase fundamental no desenvolvimento da criança que ali aprendem a dividir, a ter estrutura e a socializar com seus pares. Afinal de contas, nas creches só há profissionais treinados em lidar com nossos adoráveis monstrinhos!
Ironicamente, a Inglaterra (talvez um dos primeiros países a criar e estabelecer essa instituição) oferece vários benefícios em dinheiro para as mães cuidarem de seus rebentos até eles completarem 16 anos de idade! Não é muito (o child benefit paga cerca de 20 libras por semana, por filho), mas já é um começo e poderia ser visto como um incentivo para mantê-las mais tempo em casa. E se isso ainda não é suficiente, um extensivo estudo realizado em 2005, no sistema de saúde britânico, concluiu que as crianças cuidadas por suas mães ou pais (não pelos avós, tios, babás ou professorinhas) nos primeiros três anos de vida são emocionalmente melhores desenvolvidas que as demais que acabam, sim, sendo negligenciadas numa creche. De acordo com a pesquisa, sem o contato físico dos progenitores, as crianças que passam a infância (algumas delas das 9h às 15h, cinco dias por semana) nessas instituições repletas de brincadeiras e atividades pedagógicas acabam se transformando em pequenos seres antissociais!
Infelizmente, a grande maioria das mães não tem o luxo de poder ficar com seus filhos e precisam retornar o mais rápido possível ao trabalho. Por outro lado, largar o emprego e sacrificar alguns anos em prol do desenvolvimento emocional do filho pode deixar sequelas profundas na mulher. Sim, porque antes de virar mães, passamos toda uma existência formando nossas personalidades e lutando como pessoas do sexo feminino contra as injustiças de gênero (no meu caso, foram 34 anos). E não é fácil colocar todo o resto do que éramos antes da maternidade em pausa para sermos simplesmente mães por três longos anos, principalmente quando não se conta com a ajuda dos avós, tios e até do marido ocupadíssimo para criar um filho.
No último ano, tenho passado por momentos cada vez mais frequentes de melancolia e culpa, por não conseguir mais doar tanto tempo da minha vida unicamente para minha filha sem ficar com raiva. Ainda faltam outros 18 meses até ela chegar na idade "correta" para frequentar uma escolinha, mas às vezes penso em recorrer aos profissionais da pedagogia infantil e deixá-la meio-turno numa creche. Mas sempre que tento recordar meus tempos de maternal (e segundo a minha mãe, eu já chegava lá chorando), não me lembro de nada significativamente bom, de ninguém em especial. Na verdade, só me lembro de três traumatizantes incidentes em que rolei abaixo um lance de escada, vomitei com o cheio nauseante de tinta numa aula de artes e no dia em que meu nariz sangrou ao descer no escorregador da instituição. E em todos eles, eu estava sozinha, me sentindo sozinha, sem meus pais por perto e sem a menor ideia de quem me socorreu.
No entanto, eu me lembro vividamente das horas lúdicas assistindo ao Sítio do Picapau Amarelo (e morrendo de medo da Cuca e do Saci Pererê), à novela Chispita, ao Chavez e Chapolin, ao Balão Mágico, além de uma série de desenhos animados no programa da Xuxa. Não sei se passei tempo demais na frente da TV e sofri alguma lavagem cerebral das empresas multinacionais que anunciavam nos intervalos comerciais. Acho que não. Só tive uma boneca Barbie e absolutamente nunca me vesti como a Rainha dos Baixinhos, mas hoje ganho dinheiro trabalhando na tradução e revisão de filmes e séries de TV!!!
Então, por que condenar o meio e seu conteúdo irrestritamente?
Para mim, a boa, velha e tão impopular TV continua sendo a melhor invenção do século XX para distrair a minha filha enquanto tomo conta dos outros afazeres domésticos, principalmente a programação infantil da respeitável televisão pública do Reino Unido, a BBC. Assim, nas manhãs de segunda a sexta-feira, deixo que a minha Pequena assista não a uma loira-modelo-e-manequim com roupas sensuais e desenhos que giram em torno do Bem contra o Mal, mas sim a vários apresentadores de diversas etnias e corpos imperfeitos (um deles inclusive é deficiente físico), com animações cuidadosamente produzidas para estimular as crianças e passar um tipo distinto de moral: o que explica que há outros povos e culturas no mundo, que não devemos maltratar os animais e que a diferença é extremamente saudável.
Essas três horas matinais diante do aparelho de televisão não significam que arranjei uma babá mais barata para cuidar e educar minha filha (já que, neste país, todos pagam uma licença anual para ver os canais de TV abertos). Quando o tempo permite, saímos para ir ao parque onde ela aprende a dividir os brinquedos, a esperar pela sua vez no escorregador e a socializar com outras crianças de cores e idiomas diferentes do dela. Além disso, a minha menina também tem aulas de música nos sábados, mas acompanhada dos pais e de outras famílias igualmente preocupadas em entregar seus filhos para o mundo de maneira gradual e assistida.
Que me perdoem os críticos dessa maravilha (muitas vezes maquiavelicamente utilizada), mas o melhor ajudante desta Homo Maternalis tem sido o programa infantil Cbeebies. Até para conseguir cortar as unhas da minha irrequieta filha.