Tem se tornado cada vez mais difícil passear pelas ruas dessa imensa ilha sem se notar a diferença na fisionomia dos "residentes" mais recentes, sem se ouvir uma língua distinta da inglesa nos parques e supermercados de qualquer cidade pequena, sem se avistar alguém vestindo um traje da Índia, do mundo árabe ou de um colorido país africano.
Então vemos discursos de integração dos governos conservadores, espalhados pelos noticiários da TV e nas capas de jornais, perguntando por que essas pessoas não tentam se encaixar e fazer parte da paisagem em que vivem; por que não guardam as roupas típicas para alguma ocasião especial ou algum tipo de festival folclórico; por que não tentam aprendar o idioma local para poderem se misturar à população nativa? Não acredito que muitos deles estariam aqui, em primeiro lugar, se não fossem por mais discursos desses mesmos governantes sobre outras liberdades...
E é, nessas horas, que lembro como foram meus quatro anos na Índia. Como me senti violentada quando meu corpo foi abusado, diversas vezes, nas vias e nos meios de transporte público de Bangalore, porque não estava suficientemente coberto segundo os padrões indianos. Lembro como a língua oficial de Karnataka (kannada - uma das mais antigas e mais importantes da família das dravídicas) soava grotesca e repulsiva aos meus ouvidos brasileiros e como, com muita relutância, aprendi alguns vocábulos para poder me comunicar com os motoristas de rickshaw. Lembro (e sinto), vividamente, a cólera que corre nas minhas veias sempre que estamos na casa dos meus sogros ou de algum familiar do meu marido, e sou compelida a me transformar, a me vestir, a comer, a falar, a agir, a ser outra pessoa. Não importa se o teatro é só por duas semanas de férias ou duas horas no Skype. É uma violência contra o meu direito de simplesmente ser.
Não é muito diferente do que a Política de Estado do partido nacional-socialista fez na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial. Não é muito diferente do que os parlamentares franceses fizeram, em 2010, a respeito do uso da burca em público, em nome da igualdade entre os sexos e da liberdade contra a opressão feminina.
Em nome de muitas outras coisas já lutaram os países tecnologicamente superiores do oeste capitalista, cristão, democrático e sempre em busca das riquezas naturais do resto do mundo, mergulhado numa governança tirânica, numa ditadura totalitária, numa religião injusta. Mas os filhos de Judá perseguidos na década de 30 e 40 são os muçulmanos de hoje que, inoportunamente, ocupam terras encharcadas de petróleo e agora destruídas por tantas cruzadas e guerras santas. Por que se recusam a ser como nós, civilizados e instruídos?
Entretanto, no meio do Planalto Iraniano, perdida entre a milenar e cultural Peshawar da Rota da Seda e a atual Peshawar de religiosos extremistas, há uma flor com um sorriso radiante cuja beleza excepcional é cantada, em pashto, por Yasir Rehman: um muçulmano paquistanês que prova como o diferente e o desconhecido podem mexer com a sensibilidade de qualquer um, ainda que incompreensíveis (ou com uma tradução estranha). Porque nossa igualdade como espécie reside nos sentimentos, não apenas nos pensamentos.
Podemos sentir a mesma gama de emoções, mas temos o direito de pensar diferente, de sermos flores únicas no deserto, se assim o quisermos.
Então vemos discursos de integração dos governos conservadores, espalhados pelos noticiários da TV e nas capas de jornais, perguntando por que essas pessoas não tentam se encaixar e fazer parte da paisagem em que vivem; por que não guardam as roupas típicas para alguma ocasião especial ou algum tipo de festival folclórico; por que não tentam aprendar o idioma local para poderem se misturar à população nativa? Não acredito que muitos deles estariam aqui, em primeiro lugar, se não fossem por mais discursos desses mesmos governantes sobre outras liberdades...
E é, nessas horas, que lembro como foram meus quatro anos na Índia. Como me senti violentada quando meu corpo foi abusado, diversas vezes, nas vias e nos meios de transporte público de Bangalore, porque não estava suficientemente coberto segundo os padrões indianos. Lembro como a língua oficial de Karnataka (kannada - uma das mais antigas e mais importantes da família das dravídicas) soava grotesca e repulsiva aos meus ouvidos brasileiros e como, com muita relutância, aprendi alguns vocábulos para poder me comunicar com os motoristas de rickshaw. Lembro (e sinto), vividamente, a cólera que corre nas minhas veias sempre que estamos na casa dos meus sogros ou de algum familiar do meu marido, e sou compelida a me transformar, a me vestir, a comer, a falar, a agir, a ser outra pessoa. Não importa se o teatro é só por duas semanas de férias ou duas horas no Skype. É uma violência contra o meu direito de simplesmente ser.
Não é muito diferente do que a Política de Estado do partido nacional-socialista fez na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial. Não é muito diferente do que os parlamentares franceses fizeram, em 2010, a respeito do uso da burca em público, em nome da igualdade entre os sexos e da liberdade contra a opressão feminina.
Em nome de muitas outras coisas já lutaram os países tecnologicamente superiores do oeste capitalista, cristão, democrático e sempre em busca das riquezas naturais do resto do mundo, mergulhado numa governança tirânica, numa ditadura totalitária, numa religião injusta. Mas os filhos de Judá perseguidos na década de 30 e 40 são os muçulmanos de hoje que, inoportunamente, ocupam terras encharcadas de petróleo e agora destruídas por tantas cruzadas e guerras santas. Por que se recusam a ser como nós, civilizados e instruídos?
Entretanto, no meio do Planalto Iraniano, perdida entre a milenar e cultural Peshawar da Rota da Seda e a atual Peshawar de religiosos extremistas, há uma flor com um sorriso radiante cuja beleza excepcional é cantada, em pashto, por Yasir Rehman: um muçulmano paquistanês que prova como o diferente e o desconhecido podem mexer com a sensibilidade de qualquer um, ainda que incompreensíveis (ou com uma tradução estranha). Porque nossa igualdade como espécie reside nos sentimentos, não apenas nos pensamentos.
Podemos sentir a mesma gama de emoções, mas temos o direito de pensar diferente, de sermos flores únicas no deserto, se assim o quisermos.