terça-feira, 5 de abril de 2011

A bolacha nossa de cada dia...

Eu sabia que, mais cedo mais tarde, isto iria acontecer.
No dia em que a minha filha (que rejeitou todo tipo de papinha insossa que eu havia feito na época do desmame) provou e gostou do nhoque de batata recheado com queijo e coberto com molho de tomate e manjericão que eu e o pai dela comíamos, eu soube que esse momento chegaria. O momento quase bíblico em que os pecados da gula e da ira fariam o nosso pequeno apartamento em Buckinghamshire tremer.

Foi num início de noite fatídico, por volta das 6 horas, quando as duas estavam esperando o chefe da casa chegar para podermos jantar juntos. A minha menina (bem esperta para os seus 16 meses de idade) se prostou na frente do armário (onde ela já sabe que as guloseimas ficam guardadas longe do seu alcance) e começou a grunhir para chamar minha atenção e a apontar para a prateleira mais alta. Eu imediatamente entendi que ela queria uma das bolachinhas amanteigadas com cobertura de chocolate belga que os pais sempre saboream nas tarde de domingo.

Mas só havia uma no pacote...

Cheia de relutância mas persuadida por suas chorosas súplicas, acabei entregando-lhe aquele redondo e delicioso pedaço do Paraíso, grande demais para sua mãozinha mas na medida exata para fazê-la abrir um emorme sorriso de poucos dentes e muita felicidade.

Mas a alegria durou pouco...

A tentação foi mais forte. Num golpe certeiro, quebrei a bolacha e rapidamente abocanhei o que pude. Houve um momento de silêncio só interrompido pelo meu mastigar convulsivo. E a pobrezinha parecia em estado de choque, sem entender o que havia acontecido, olhando ora para mim ora para o que havia sobrado em sua mão minúscula e delicada. Foi então que sua ira se fez ouvir e uma onda de culpa tomou conta do meu corpo. Não por ter tirado doce da minha própria criança (o que é realmente fácil), mas por ter introduzido, muito cedo na vida da minha filha, uma gama de alimentos refinados e saborosos.

Eu que já havia passado a adolescência escondendo comida dos meus irmãos, agora também terei que esconder essas iguarias (e comê-las sozinha durante as horas de cochilo da minha menina) por mais alguns anos, até perder o resto do meu guarda-roupa tamanho 42 ou achar um pingo de vergonha na cara pelos meus pecados da gula. Só não posso culpá-la por já ter desenvolvido, em menos de um ano e meio de existência, um paladar tão pouco infantil, pois ela foi concebida depois de um festim gastronômico no dia 13 de fevereiro de 2009.

Algumas horas antes de São Valentim (que celebra a união entre namorados, em certos países do mundo), eu e o futuro pai da minha filha nos banqueteávamos num restaurante italiano em Bangalore, com uma refeição de três pratos e uma garrafa de vinho tinto cada um. Trinta e nove semanas mais tarde, nasce o fruto de muito amor, comilança e bebedeira. E um fruto que não caiu longe da árvore. Desde seus nove meses, ela tem comido quase tudo que colocamos à sua frente e não duvido que comeria até mosquito, se estivesse bem temperado e diante de seus imensos e gulosos olhos castanhos...

Por isso, enquanto ela não sai desta recente e inusitada fase de só querer tomar leite (provavelmente ainda traumatizada pelo criminoso evento da bolachinha), minhas preces têm pedido ao Pai Nosso que está no Céu, mais pão para o nosso dia, mais ciabatas de azeitona, mais risottos de cogumelo, mais pastelões de espinafre e ricota e, claro, mais pacotes de bolacha belga. E que, por favor, perdoe todas minhas ofensas da gula cometidas contra minha própria filha e que me ajude muito a não mais cair em tentação.
Amém.


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