sexta-feira, 14 de outubro de 2011

How I met your father

Pequena, nosso primeiro encontro aconteceu no começo de 2009, perto de quando eu fiquei sabendo que você estava pra chegar.

Ouvi um colega de trabalho comentar com outro, no elevador da empresa, que ele já estava na lista de espera para retirar o próximo DVD da série. Filha, eu também tive que esperar (acho que mais de um mês) para finalmente conhecer Ted, Barney, Robin, Lily e Marshall. Mas valeu a pena. Foi amor logo no primeiro episódio e me tornei mais uma fã aficionada dos cinco inseparáveis amigos e de suas incríveis aventuras narradas com uma precisão pouco confiável. Uma delas (a décima quinta da segunda temporada) surgiu mais uma vez à minha mente e me ajudou a entender como conheci seu pai.

"Lucky Penny" é sobre Ted perdendo não um, mas dois voos para Chicago, onde teria uma importante entrevista de emprego. Ele e Robin tentam recordar os mais recentes eventos do passado e achar o culpado de tal infortúnio.

O primeiro acusado é Barney por ter aceitado uma aposta de Marshall, corrido a maratona de Nova York e ficado "preso" num banco de metrô sem poder mexer as pernas exaustas da corrida. Ted foi em sua ajuda, pulou a catraca da estação sem pagar e teve que comparecer a um tribunal naquela manhã para dar explicações. Por isso, o atraso para pegar seu voo.

Pouco tempo depois, Ted lembra que, na verdade, Robin foi a maior responsável por tudo, porque, se não fosse por ela ter surpreendido Marshall no banheiro, colocando vaselina nos mamilos, ele não teria se assustado, caído, quebrado o dedo do pé e ficado impedido de correr a maratona, fazendo a aposta com Barney...

Robin se defende e diz que Lily é, de fato, a culpada por ele ter perdido o avião, pois se ela não a tivesse convencido a acampar na fila de uma loja de vestidos de noiva em liquidação, Robin não teria ido à casa de Marshall para dormir um pouco e aparecido inoportunamente no banheiro...

Então, os dois se lembram que, se Ted não tivesse achado uma moeda de centavo antiga e vendido-a para um colecionador, eles não teriam ido gastar o dólar e meio conseguido com ela em cachorros-quentes e visto a fila na frente da loja de vestidos de noiva em liquidação... Ou seja, ele próprio tinha colocado em marcha as reações em cadeia que causariam a perda do voo e da entrevista de trabalho em Chicago. Mas, se não fosse por aquele pêni da sorte, Ted não teria ficado em Nova York e não viria a conhecer a futura mãe de seus filhos.

Minha Pequena, o destino também me fez percorrer caminhos bem sinuosos até chegar ao seu pai, em dezembro de 2004. Eu não estaria na Índia naquele momento, se não tivesse terminado um relacionamento anterior um ano antes. E o mesmo relacionamento não teria sido findo, se eu não tivesse ido passar outros seis meses na Europa, em 2003. E, se não fosse a mesma organização de intercâmbio cultural com a qual eu tinha viajado para a Dinamarca, eu não saberia, um ano mais tarde, que haveria outra oportunidade na Índia.

Filha, eu sei que parece confuso e eu própria demorei muito a desenredar esse nó. Mas assim segue a definição de destino (ou sorte, ou sina): "a combinação de circunstâncias ou de acontecimentos que influem de um modo inelutável." Ou se você preferir um termo tirado das religiões da terra do seu pai, nossos caminhos se cruzaram graças a um carma, uma ação sujeita ao encadeamento de outras causas.

Hoje acho que o mais importante não é saber como, mas por que encontrei seu pai. Mas isso eu te conto quando descobrir.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Lições do Setembro Passado - Parte III

Eu tinha um objetivo quando me decidi pelo jornalismo. Eu queria muito contar histórias, fossem elas impressas no papel, congeladas numa imagem fotográfica ou documentadas em vários quadros por segundo.

Mas meus sonhos derreteram diante da implacável realidade do meio jornalístico e nunca fui muito longe nesta carreira. Ironicamente, alguns anos depois de abandonar a profissão, acabei me envolvendo com outros tipos de histórias e outras maneiras de contá-las. Trabalhando na indústria da legendagem, vejo aventuras, dramas, comédias, suspenses, tragédias e romances sendo narrados magicamente, num período que varia de 60 a 180 minutos, numa forma artística que incorporou todas as seis artes anteriores: o cinema.

E de maneira indireta e sutil, eu ofereço uma pequena contribuição no processo de contar essas histórias, quando os espectadores brasileiros compram DVDs e Blu-Rays em território nacional e escolhem a língua portuguesa para as legendas de seus filmes. Na função de tradutora ou revisora de uma determinada obra cinematográfica ou televisiva, constantemente preciso fazer escolhas ou ajudar nas escolhas feitas por outro tradutor para melhor comunicar um dialógo, uma piada ou uma expressão idiomática, de modo preciso e sucinto para que o público consiga lê-los em alguns segundos e ainda conseguir acompanhar a trama.

Não sei se é a paixão pelas histórias, o amor pelo trabalho ou se são ócios do ofício, mas estou sempre pensando em filmes e séries de TV e, dependendo da situação em que estou vivendo, uma fala ou uma cena me vem à cabeça.

Em setembro, compramos uma esteira para eu ter uma alternativa física nos meses vindouros de muito frio e pouco sol. Fazia tanto tempo que eu não sentia uma descarga tão maciça de endorfina na corrente sanguínea que acabei lembrando de Legalmente Loira de 2001, quando a personagem de Reese Witherspoon (a estudante de Direito da Harvard e aspirante a advogada Elle Woods), apresenta seu argumento em defesa de sua cliente. Ela diz que a ré fazia exercícios físicos regularmente e que não poderia, assim, ter matado o marido... A lógica é que ela era feliz!

E eu também estava. Anestesiada com este neurotransmissor pelo resto do dia, passei a não encontrar motivos para discutir com meu marido ou censurar minha filha. E esta foi a terceira lição que aprendi no mês passado: uma hora de caminhada rápida na esteira torna os problemas cotidianos mais toleráveis. Como vírgulas desnecessárias e recorrentes numa tradução excessivamente pontuada.

O que também me fez lembrar de outra citação em outro filme (dez anos mais recente). Em Transformers: Dark of the Moon, o pai de Sam Witwicky lhe diz, com evidente experiência de causa: "Happy wife, happy life!"

Não é a história de muitos casamentos?

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Lições do Setembro Passado - Parte II

Mesmo antes da minha filha nascer, eu já era inundada com uma enxurrada de coisas que eu devia ou não fazer.

Por exemplo: não devia comer mamão ou beber café nos primeiros meses de gravidez, porque podiam ser abortivos; não devia tomar suco de laranja nem chimarrão (ou qualquer outro alimento com bioflavonóides) nos meses finais da gestação, porque podiam prejudicar o coração do bebê; não devia consumir álcool ou remédio quando estava grávida, porque podiam causar má formação no feto. Tudo pela vida e bem-estar da criança! E que a pobre mãe padeça, por semanas a fio, de depressão ou com hemorróidas do tamanho de uvas!

É claro que as descobertas científicas devem ser recebidas com respeito e que as crendices populares têm um fundo de verdade, mas foi o comentário simples e sábio de uma colega de trabalho na Índia (que tinha se tornado mãe aos 40) que proporcionou um pouco de sensatez para eu manter minha dieta equilibrada e meu peso, sob controle: "Com moderação, pode-se comer e fazer qualquer coisa."

Mas se as quarenta semanas de gestação de uma mulher já não bastassem com bombardeios de conselhos (bem-intencionados, mas por vezes contraditórios), eles continuam a ser lançados de todos os lados (como projéteis) quando o rebento finalmente vem ao mundo. Todo mundo tem uma opinião ou ouviu falar ou leu a respeito de como o recém-nascido deve ser segurado, vestido, alimentado, trocado, colocado para dormir... Em certas culturas, não temos nem o direito de escolher o nome dos próprios filhos! É uma batalha diplomática que temos de travar pelo resto de nossas vidas como mães. Tenho certeza que vou escutar, mesmo depois que minha menina tiver se tornado uma mulher adulta, coisas do tipo: "Se você tivesse feito isso, não teria acontecido aquilo..." E o inverso também.
Até que chega o dia em que realmente precisamos deles, dos conselhos alheios: quando nossas crias adoecem.

Esse dia chegou para mim em setembro, quando minha filha ficou muito doente. Ela perdeu o apetite e algum peso e, por mais de duas semanas, vomitava o pouco que comia, além de apresentar uma diarréia aguda que nenhum médico conseguia diagnosticar com precisão. Primeiro, achou-se que ela estava com rotavírus; depois, falou-se em intoxicação alimentar e até na presença de vermes. Por fim, o resultado do exame de fezes (que demorou mais de 10 dias para ficar pronto) revelou que ela estava com criptosporidíase, uma gastroenterite causada por um protozoário da espécie Crytosporidium e sem tratamento com remédios tradicionais. A médica que nos atendeu foi cautelosa e apenas prescreveu sachês de soro caseiro com sabor de groselha, para repor a perda de sais e líquidos e tentar segurar a comida no estômago.

Parecia simples, mas não funcionou. Nem os sucos, nem o leite de soja, nem a batida de banana com leite de soja, nem as maçãs raladas, nem a água de arroz...

Até que fui a um salão retocar a raiz coberta de fios brancos e a cabelereira polonesa (com dois adolescentes em casa) me falou de uma solução impensável e impraticável para muitas mães um pouco mais conscientes a respeito da própria alimentação e a dos filhos: Coca-Cola. Não a Diet, não a Zero, não a Light, nem a Light Plus. A normal mesmo, cheia de calorias, água gaseificada, ácido fosfórico, cafeína e extrato de noz de cola. Resisti à ideia durante o tempo em que estive sentada na cadeira do salão, mas saí dali decidida a tentar. E dei uma latinha de Coca-Cola para a minha filha, por três dias consecutivos.

Funcionou! As crises de diarréia continuaram por outras duas semanas, mas ela parou de vomitar desde o primeiro dia e voltou a tomar as não-tão-aconselháveis-nessas-situações mamadeiras com leite de vaca integral. E sem nenhum problema.

E essa foi minha segunda lição no mês passado. Não posso ser responsabilizada por formar mais uma consumidora da bebida criada por John Pemberton no final do século XIX. Enquanto puder evitar e ela estiver bem de saúde, os produtos desta multi-nacional vão permanecer longe dos imensos olhos castanhos e dos lábios ávidos por açúcar da minha filha.

Mas aprendi outro ensinamento simples e sábio que vai permear meus próximos anos no exercício da maternidade: a "Teoria Materna da Relatividade", ou seja, mães diferentes oferecem visões perfeitamente plausíveis, ainda que diferentes, de um mesmo "remédio". Trocando em miúdos: o que funciona para uma, pode não funcionar para outra, mas, pelo bem-estar da criança, vale a pena tentar tudo.

Com moderação.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Lições do Setembro Passado - Parte I

Nunca pensei que minha história fosse única. A maternidade acontece com quase todas as mulheres e bate à porta mesmo das que não sonhavam, não planejaram nem se preparam para exercer tal função.

Também nunca pensei que minha situação fosse singular. Não é preciso ir muito longe (aqui na Inglaterra) para encontrar mulheres de outras nacionalidades que estão criando seus filhos num país estranho e sem a ajuda de familiares por perto.

No edifício contíguo ao nosso, mora uma pequena família de imigrantes nigerianos: os pais e duas crianças - uma ainda de colo. E, invariavelmente (faça sol, chuva, frio ou calor), vejo aquela mãe passando em frente à janela da minha cozinha e, sofregamente, descendo e subindo um lance de escadas com um carrinho abarrotado de sacolas, mais a menina e o bebê.
Ela não tem um sorriso no rosto nem a cabeça erguida.
Na verdade, os três parecem ser bem quietos e não consigo deixar de imaginar que o silêncio seja o reflexo de uma vida tão melancólica quanto um dia nublado de outono em setembro... Ou talvez seja apenas o vento gelado soprando e impedindo que eles sorriem. Ou pode ainda ser como a música do REM, escrita pelo bateirista Bill Berry (é certo que não exatamente pensando nas mães durante o puerpério, mas no "Portal para o Inferno" dos adolescentes no colegial), tocando ao fundo:

When the day is long and the night
The night is yours alone
When you're sure you've had enough
Of this life, well hang on
Don't let yourself go, 'cause everybody cries
And everybody hurts sometimes
If you're on your own in this life
The days and nights are long
When you think you've had too much
Of this life to hang on
'Cause everybody hurts
Take comfort in your friends

E esta foi a primeira lição que aprendi no mês que passou: encontrar conforto em outras companheiras de jornada, em outras mulheres que atravessam o mesmo turbilhão emocional quando se tornam mães e recebem seus "bundles of joy" e percebem que eles não trazem somente alegria, mas incontáveis momentos de solidão, insegurança, medo e da mais pura loucura! Sim, loucura por acordar numa não tão bela manhã depois do parto e não se reconhecer mais no espelho!
Mas o livro de Laura Gutman, A Maternidade e o Encontro com a Própria Sombra, pode oferecer algum conforto e, no meu caso, muitas lágrimas por me identificar tão dolorosamente bem com a descrição da mulher puérpera nele apresentada.

No entanto, aqui vai o aprendizado de alguém há dois anos nesse estado emocional de loucura pós-parto: o livro serve apenas para restabelecer um pouco de lucidez à mulher, e não vai mudar o comportamento de parentes e familiares cheios de boas intenções, mas ignorantes das reais necessidades emocionais da mãe e seu bebê; não vai mudar a opinião daqueles que acham que os filhos (dos outros) são do mundo e se sentem no direito de reivindicar a parte que lhes cabe logo nos primeiros dias de vida do recém-nascido; não vai aumentar a faculdade de sentir de certos homens e diminuir seu desejo (sexual) de recuperar a mulher "perdida" em noites insones e inundadas com leite, vômito e cocô; não vai parar as engrenagens do sistema econômico descrito por Karl Marx no final do século XIX e sua busca implacável por lucro e por um período capitalisticamente curto e socialmente aceito de licença maternidade.

Não. O livro é somente um feixe de luz lógica para a mulher mergulhada na escuridão de sensações e sentimentos da maternidade. É um despertar racional do pesadelo recorrente (e que muitas de nós acredita interminável) que é a fase do puerpério. As palavras de Laura Gutman até ajudam a colocar os pingos nos "is" da "insegurança", "insensatez" e "incertezas" da recém (ou nem tanto, no meu caso) mãe, mas elas não podem administrar milagres. Ninguém pode. Nem mesmo os remédios antidepressivos prescritos erroneamente por médicos despreparados para entender a revolução emocional e psicológica pela qual passam as mulheres depois do parto.

Depende de cada uma de nós (com ou sem o livro, com ou sem o apoio afetivo de familiares, amigos ou do próprio pai da criança) encontrar algum conforto para as longas e solitárias noites do puerpério, aprender mais sobre nós mesmas e descobrir a melhor maneira de sermos as mães que podemos ser neste exato momento.

Pois como entoa uma grande amiga e também mãe: "Vai passar."

E o sol volta a nascer na manhã seguinte ao puerpério.