Um casamento às pressas, um bebê de quem todos querem tirar um pedaço, um par de sogros desvairadamente religiosos e conservadores, uma familía adjacente intrometida e opinadora e dez meses longe do Sub-continente indiano quase me fizeram esquecer a principal razão de eu ter vivido quatro longuíssimos anos neste país: a minha paixão irracional (e provavelmente cármica) pela sua singular, pungente e dolorosa comida vegetariana.
Mas bastou eu ter à minha frente a bandeja da Air India (contendo aquela refeição quentinha e perfumada com as ainda misteriosas especiarias indianas, embrulhada sem muito capricho num papel de alumínio e recheada com os ingredientes mais simples e saborosos do reino vegetal), para um sinal neurológico ser disparado e colocar todos os órgãos do sistema digestivo em prontidão. Era puro reflexo de um estômago já condicionado aos prazeres do paladar, vislumbrando os portais desse Paraíso da Ásia Meridional, a apenas uma garfada de distância.
Assim que meus olhos reconheceram o conteúdo da vianda - palak paneer (espinafre e queijo cottage) num canto, sabzi (vegetais) no outro e um bocado do fumegante arroz basmati ao centro –, o coração disparou, a boca começou a salivar e os movimentos peristálticos de contração e relaxamento musculares se iniciaram.
E o resto são detalhes íntimos de uma relação que poucos brasileiros comedores-de-carne entenderiam. Catorze entediantes anos como vegetariana no Brasil foram recompensados com outros tantos de muita emoção na Índia: foram semanas de intenso prazer e dias da mais torturante crise de diarréia.
E é aqui que entra em cena o terceiro adjetivo para a comida indiana (aquele responsável pela dor), porque o Paraíso é, de fato, um conceito utópico e minha estada neste lugar “acima da superfície terrestre, onde se vive harmonicamente e sem conflitos” sempre foi muito breve neste país.
Eu sabia (sentada satisfeitíssima no meu assento do voo AI-116 de Londres a Nova Déli) que a queda até o Purgatório era uma questão de tempo. Aquelas exóticas especiarias que entraram tão cheias de sabor e pungência pela boca, deixariam meu organismo da mesma forma e logo o único inocente em todo o processo digestivo teria que expiar, sozinho, o pecado da gula cometido por outras partes do corpo.
Eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, sentada ou acocorada num banheiro da Índia (escuro e em condições precárias de higiene), meu pobre e inocente orifício excretor pagaria pela purificação da carne.
Sabia que, durante tal processo doloroso, acabaria prometendo moderação...
Até, novamente, vislumbrar os portais do Paraíso asiático e esquecer todas as provações passadas pelo Inocente.
Mas bastou eu ter à minha frente a bandeja da Air India (contendo aquela refeição quentinha e perfumada com as ainda misteriosas especiarias indianas, embrulhada sem muito capricho num papel de alumínio e recheada com os ingredientes mais simples e saborosos do reino vegetal), para um sinal neurológico ser disparado e colocar todos os órgãos do sistema digestivo em prontidão. Era puro reflexo de um estômago já condicionado aos prazeres do paladar, vislumbrando os portais desse Paraíso da Ásia Meridional, a apenas uma garfada de distância.
Assim que meus olhos reconheceram o conteúdo da vianda - palak paneer (espinafre e queijo cottage) num canto, sabzi (vegetais) no outro e um bocado do fumegante arroz basmati ao centro –, o coração disparou, a boca começou a salivar e os movimentos peristálticos de contração e relaxamento musculares se iniciaram.
E o resto são detalhes íntimos de uma relação que poucos brasileiros comedores-de-carne entenderiam. Catorze entediantes anos como vegetariana no Brasil foram recompensados com outros tantos de muita emoção na Índia: foram semanas de intenso prazer e dias da mais torturante crise de diarréia.
E é aqui que entra em cena o terceiro adjetivo para a comida indiana (aquele responsável pela dor), porque o Paraíso é, de fato, um conceito utópico e minha estada neste lugar “acima da superfície terrestre, onde se vive harmonicamente e sem conflitos” sempre foi muito breve neste país.
Eu sabia (sentada satisfeitíssima no meu assento do voo AI-116 de Londres a Nova Déli) que a queda até o Purgatório era uma questão de tempo. Aquelas exóticas especiarias que entraram tão cheias de sabor e pungência pela boca, deixariam meu organismo da mesma forma e logo o único inocente em todo o processo digestivo teria que expiar, sozinho, o pecado da gula cometido por outras partes do corpo.
Eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, sentada ou acocorada num banheiro da Índia (escuro e em condições precárias de higiene), meu pobre e inocente orifício excretor pagaria pela purificação da carne.
Sabia que, durante tal processo doloroso, acabaria prometendo moderação...
Até, novamente, vislumbrar os portais do Paraíso asiático e esquecer todas as provações passadas pelo Inocente.