terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Ele existe!

Pela primeira vez em dois anos, um mês e vinte e poucos dias, estou saboreando a maternidade em sua plenitude.

Não passei por essa sensação durante a gravidez.
Ao invés disso, estava me virando sozinha na Índia, trabalhando no turno da noite, sendo despejada do meu apartamento em Bangalore por apresentar uma barriga e (ainda) ser solteira, tentando me unir legalmente ao pai da criança às pressas e às escondidas (já que os pais dele não queriam aceitar o casamento e eu temia um nome em branco na certidão de nascimento da minha filha), me apavorando com o abismo cultural que nos separava e que eu só fui vislumbrar quando meus sogros finalmente abriram a porta da frente da família e eu estava com quase 6 meses de gestação.

Depois, voltei para o Brasil e ela entrou na minha vida com um corte profundo. 
E eu continuava incapaz de ter a tal sensação. O sentimento que realmente começava a se alastrar pelo meu coração era a culpa. Culpa por não conseguir amamentar meu bebê com o leite que empedrava nas minhas mamas, reduzidas dez anos antes. Uma decisão egoísta da juventude estava privando minha filha do tão completo alimento materno.

Mas ela "sobreviveu", ganhou peso e foi se desenvolvendo. E o vínculo que não pôde ser formado durante a amamentação, foi sedimentado nos dois anos seguintes, quando passamos tanto tempo juntas e sozinhas que parecíamos em simbiose.

Ainda assim, eu não me sentia plena com a maternidade.
Pelo contrário, à medida que ela crescia (e aprendia a engatinhar e a caminhar), diminuíam suas horas de sono e aumentavam os espaços da casa que ela explorava  curiosa e avidamente. Eu não tinha mais sossego em deixá-la sozinha. Alguns minutos de seu silêncio podiam representar um grande risco de vida. Só Deus sabia no quê ela podia estar mexendo.

Além disso, sendo sua principal fonte de amor e de atenção, meus momentos de privacidade no banheiro foram se tornando raros e os banhos acontecendo em dias alternados... Minha mãe me via no Skype e me aconselhava a não esperar o marido com cara de empregada. Mas depois de passar o dia cozinhando, limpando, trocando fraldas, lavando roupa, vestindo, penteando cabelo, tentando escovar os dentes da filha e traduzindo durante a única hora de cochilo da criança, quem quer ficar atraente e começar a terceira jornada de trabalho como esposa sensual e cheia de libido? A cama, pra mim, era só para dormir! Mesmo que fossem apenas algumas horinhas, já que ela pedia o mamá duas vezes por noite e eu custava para pegar no sono novamente. Era um inferno... Ou o purgatório, para quitar dívidas antigas e expiar culpas recentes...

Até que chegamos ao Brasil, para passar quatro semanas de férias, e me deparei com os altos e pesados portões do Paraíso, que estiveram cerrados para mim por tanto tempo e que finalmente me abriram uma brecha para entrar! SIM, mães de todas as religiões e nacionalidades do século XXI: a terra que nos prometeram ainda na concepção de nossos filhos existe! E ela se chama a casa dos avós e dos tios (sem crianças), loucos para brincar, cuidar, alimentar, dar banho, vestir, pentear o cabelo e encher de carinho nossos rebentos! Enquanto podíamos colocar o banho em dia, ir no salão, fazer os pés.
Sei que vai ser uma estada breve e que logo retomaremos nossas rotinas purgativas, mas, por enquanto, estamos as duas felizes no meio da vovó, do vovó, da pili, dos cacás, da dinda, do beto, do auau, do miau...

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

My Very Hungry Caterpillar

A última peça infantil a qual fui assistir com minha filha, na Inglaterra, foi uma maravilhosa adaptação com fantoches de algumas das estórias do escritor americano Eric Carle.

Entre elas, a de uma pequena lagarta que emerge, junto com o sol de domingo, de um minúsculo ovo numa árvore. E ela está faminta. Assim, durante toda a semana, de segunda a sexta-feira, ela passa devorando tudo o que vê pela frente: uma maçã, duas peras, três ameixas, quatro morangos, cinco laranjas, além de sorvetes, bolos, tortas, salsichas... Até que acaba se sentindo mal, no sábado, com tanta comida e vai descansar numa árvore, formando um casulo. No domingo, o invólucro arrebenta e, de dentro, sai uma linda borboleta.

Foi um espetáculo super mágico, mas confesso que saí do teatro sem entender muito bem a moral da estória.

Talvez as crianças, para quem The Very Hungry Caterpillar se dirige, se pareçam um pouco com a lagarta de Carle. Elas deixam o "ovo" uterino pequeninas e começam a explorar o mundo, extremamente curiosas e cheias de fome por novidade. Passam os anos da infância devorando tudo o que é estímulo percebido e sentido no exterior, até que se "fecham" na adolescência para digerir tanta informação e saem de suas crisálidas como indivíduos independentes e prontos para voar.

Mal consigo esperar para ver como minha lagarta esfomeada pela vida (mas já com cara de borboleta) vai deixar o seu casulo.




sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

The Sun still doesn't set on the British Empire

Até pouco tempo atrás, existia um império tão vasto e poderoso que sempre havia uma parte de seu território iluminada pela luz do Sol.

Esse era o Império Britânico no seu apogeu (no início do século XX), quando chegou a abranger quase 34 milhões de quilômetros quadrados da área terrestre do nosso planeta e 500 milhões de pessoas! Não é por acaso que o Observatório Real de Greenwich é definido como o ponto do Meridiano Principal, dividindo o mundo em Leste e Oeste.

Entre 1500 e 1997, as feitorias, colônias e protetorados que estavam sob controle desse pequeno país insular na costa noroeste da Europa continental incluíam Afganistão, América do Norte, Austrália, Bahamas, Bahrain, Bangladesh, Barbados, Belize, Botswana, Brunei, Myanmar, Camarões, Canadá, Cingapura, Egito, Fiji, Gambia, Ghana, Iêmen, Índia, Iraque, Irlanda, Jamaica, Kênia, Kuwait, Lesotho, Malásia, Malta, Maurícia, Nigéria, Nova Zelândia, Paquistão, Serra Leoa, Sri Lanka, Tanzânia, Trinidad e Tobago, Uganda (...), além de dezenas de outras ilhas, catorze delas ainda pertencentes ao Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte!

E, mesmo antes do final da II Guerra Mundial, ventos de liberdade começaram a soprar (com a criação de um Estado Livre Irlandês) e nuvens de independência passaram a ofuscar o Sol que parecia nunca se pôr naquele vasto império... E suas nações-colônias foram, aos poucos, saindo do jugo bretão, até culminar com a devolução de Hong Kong à República Popular da China, em 1997.


Além de legar o idioma inglês, o futebol, o críquete, o tênis, o golfe e a direção no lado esquerdo da estrada a cerca de 400 milhões de ex-súditos, o Império Britânico também deixou um rastro de problemas políticos e religiosos para a maioria dos recém-formados governos e seus cidadãos ávidos por direitos civis, provocando uma gigantesca onda migratória rumo ao centro do império. Como consequência, as ruas e a culinária do Reino Unido nunca estiveram tão ricas e "coloridas", desde a ocupação da ilha por celtas, romanos, vikings, germânicos, anglo-saxões, normandos, escoceses, irlandeses, huguenotes e judeus russos...

É por isso que uma explosão pública de racismo (flagrada num bonde de Londres e colocada no YouTube no dia 27 de novembro - http://www.youtube.com/watch?v=i47HoiM0Au8&feature=youtube_gdata_player) atrai tanta atenção e causa tamanho desconforto (pelo menos em mim e nas autoridades locais que prontamente a detiveram por perturbação da ordem pública com comentários racistas - http://www.bbc.co.uk/news/uk-england-london-15923875). Em pouco menos de uma semana, o vídeo que mostra uma mulher branca com uma criança loira no colo e praguejando contra negros, polaneses e os demais passageiros não-britânicos, teve quase 9 milhões de acessos. Esse número excede a população da capital inglesa em mais de um milhão! E o mais chocante é ver quantas pessoas gostaram do que ela fez e disse!

Pois, o que é ser britânico afinal de contas? É falar inglês empolado, tomar uma xícara de chá com biscoitos no meio da tarde ou comer peixe e batatas fritas de uma lanchonete de esquina? Porque tudo isso foi trazido para esta ilha por imigrantes! O inglês (que nem é o idioma de jure do Reino Unido, mas apenas o mais falado) é uma mistura da língua germânica ocidental com palavras de norueguês antigo, francês normando e latim. O hábito de tomar chá à tarde só foi introduzido na Inglaterra por volta de 1840, graças aos mercadores da Companhia Britânica das Índias Orientais e às suas Coffee Houses que popularizaram a bebida entre as classes mais baixas. E o mais tradicional takeaway inglês começou com uma lojinha do judeu Joseph Malin, em Londres, na metade do século XIX.

Tudo bem. São tempos difíceis, o desemprego está alto e os cortes do governo nos benefícios de vários setores da sociedade estão afetando muita gente, inclusive os não-britânicos. Mas culpar os estrangeiros pelos problemas econômicos do país é dar um passo atrás na História e esquecer as lições de um passado não muito distante. A maré virou e todos deste (e do outro)lado do Canal da Mancha parecem estar colhendo os frutos de uma árvore moderna plantada com as Grandes Navegações e o estabelecimento do sistema capitalista.

Não é fácil quebrar uma tradição de quase 500 anos: a de dominar, explorar e arruinar os países de línguas, culturas, religiões e etnias diferentes, em busca de mão-de-obra barata e matéria-prima abundante para fomentar alguma Revolução Industrial. Mais difícil ainda é lidar com os vestígios deixados pelo maior império que o Homem já viu. E seus milhões de despatriados, refugiados e perseguidos.

Ainda mais quando há milhares tropas britânicas no Afeganistão, nos Bálcãs, no Iraque, no Chipre, em Gilbratar, na Irlanda do Norte e nas Ilhas Malvinas, ou melhor, Falkland Islands! E por que cerca de cinco milhões de britânicos civis, morando e trabalhando no exterior, não estão nesta grande Bretanha, enfiados num pub, bebendo a pint of ale e comendo fish'n'chips, mate? Ou só eles têm o direito de buscar uma vida melhor?