Não planejei nem consegui curtir minha gravidez com plenitude, pois estava numa corrida contra o tempo e contra os caprichos da minha sogra para me unir com o co-produtor do meu bebê e evitar o termo 'pai desconhecido' na sua certidão de nascimento. Mas, assim que minha filha nasceu, também floresceu um amor maternal por ela que foi aumentando junto com seus 49 centímetros.
No entanto, só isso não me qualifica como uma boa mãe. Na verdade, não chego nem a pontuar como mediana, porque não sigo nenhuma cartilha. Graças a filósofos da Antiguidade, pensadores franceses, poetas de todas as épocas e psicólogos modernos, além dos predicados instrínsecos já culturalmente atribuídos à figura materna (como abnegação pessoal e sacrifício extremado pela prole), outros deveres e responsabilidades foram sendo adicionados à lista da mãe ideal.
É do grego Pitágoras a frase: "Educa as crianças e não precisarás castigar os homens."
Para Vitor Hugo, "Os braços de uma mãe são feitos de ternura e os filhos dormem profundamente neles."
Vinicius de Moraes escreveu: "Repousa a luz amiga dos teus olhos / Nos meus olhos sem luz e sem repouso / Aninha-me em teu colo como outrora / Dize-me bem baixo assim: — Filho, não temas / Dorme em sossego, que tua mãe não dorme."
Segundo o inglês D.W. Winnicott (um dos discípulos de Freud), a mãe deve não apenas amamentar com tranquilidade, dar aconchego e carinho ao seu bebê, mas também é fundamental para a constituição do self da criança que ela a segure no colo e a carregue de maneira 'correta', para "dar-lhe a continuidade entre o inato, a realidade psíquica e um esquema corporal pessoal."
Minha Nossa Senhora! Se, para as mulheres que sempre sonharam com as formas arredondadas da gestação e com um 'embrulhinho' enrolado nos braços fica cada vez mais complicado de se ter um filho (à medida que novos estudos científicos em relação à maternidade são publicados), imaginem a cabeça daquelas que não possuem o "gene materno"; daquelas que não quiseram ser mães mas foram 'abençoadas' com uma criança indesejada que não conseguem amar!
Essa é a estória do filme We need to talk about Kevin (baseado no romance de mesmo nome de Lionel Shriver), que faz coro a muitas das teorias modernas da psicologia e simula o que de pior pode acontecer com um adolescente que não teve o amor materno.
Para mim, foram 112 dolorosos minutos de assistir, porque a atormentada personagem de Eva é veementemente condenada pelos habitantes da pequena cidade onde vive, por ter falhado no seu mais importante papel como um indivíduo do sexo feminino. E ela aceita a culpa com uma verdadeira resignação materna.
Meu sentimento para com essa mulher foi o da mais profunda simpatia, porque carregamos um fardo pesadíssimo e extremamente idealizado desde o momento que concebemos uma nova vida.
De acordo com os padrões inatingíveis da sociedade contemporânea, somos responsáveis por tudo o que envolve nossos filhos: por uma amamentação tranquila, uma relação amorosa e um saco de paciência sem-fim; por uma alimentação consciente, frutas e verduras orgânicas, ovos caipiras e alimentos não-modificados geneticamente; por suas boas maneiras à mesa e boas notas na escola; por suas roupas limpas, cabelos penteados e dentes escovados; pela linha pedagógica da escola, pelo conteúdo visto na TV e acessado na Internet e pela escolha de seus amigos... Enfim, somos culpadas e respondemos por todos os atos de nossas crianças, inclusive os criminosos.
É por isso que precisamos falar sobre esta e todas as demais Evas, igualmente falhas como sua homônima bíblica e expulsas do Paraíso por outro pecado original: o de não amarem o ser saído das próprias entranhas da maneira e com a intensidade que a cultura, a religião, a família e até o parceiro demandaram delas.
Precisamos falar e mudar a imagem criada da mãe ideal, adicionando-a carne, osso e neuroses mal resolvidas, porque também nós somos o produto de outras mães e pais imperfeitos. E, antes que púdessemos resolver nossos defeitos de fábrica, muitas de nós se vêem na linha de montagem causando novos desajustes na geração seguinte. Desajustes esses que devem ter começado com a primeira mulher criada por Deus e que deu à luz a Caim (o primeiro homicida da Humanidade) e Abel.
Ah, tomara que se fale muito sobre Kevin e Eva, para que possamos ser capazes de tirar as figuras mitificadas de seus altares (inclusive a da criança pura e inocente) e discutir com mais honestidade sobre a maternidade e seus problemas reais no mundo atual.
Talvez então possamos ser melhores mães ou exercer o direito de não o ser se assim o desejarmos. Sem culpa nem execração pública.
No entanto, só isso não me qualifica como uma boa mãe. Na verdade, não chego nem a pontuar como mediana, porque não sigo nenhuma cartilha. Graças a filósofos da Antiguidade, pensadores franceses, poetas de todas as épocas e psicólogos modernos, além dos predicados instrínsecos já culturalmente atribuídos à figura materna (como abnegação pessoal e sacrifício extremado pela prole), outros deveres e responsabilidades foram sendo adicionados à lista da mãe ideal.
É do grego Pitágoras a frase: "Educa as crianças e não precisarás castigar os homens."
Para Vitor Hugo, "Os braços de uma mãe são feitos de ternura e os filhos dormem profundamente neles."
Vinicius de Moraes escreveu: "Repousa a luz amiga dos teus olhos / Nos meus olhos sem luz e sem repouso / Aninha-me em teu colo como outrora / Dize-me bem baixo assim: — Filho, não temas / Dorme em sossego, que tua mãe não dorme."
Segundo o inglês D.W. Winnicott (um dos discípulos de Freud), a mãe deve não apenas amamentar com tranquilidade, dar aconchego e carinho ao seu bebê, mas também é fundamental para a constituição do self da criança que ela a segure no colo e a carregue de maneira 'correta', para "dar-lhe a continuidade entre o inato, a realidade psíquica e um esquema corporal pessoal."
Minha Nossa Senhora! Se, para as mulheres que sempre sonharam com as formas arredondadas da gestação e com um 'embrulhinho' enrolado nos braços fica cada vez mais complicado de se ter um filho (à medida que novos estudos científicos em relação à maternidade são publicados), imaginem a cabeça daquelas que não possuem o "gene materno"; daquelas que não quiseram ser mães mas foram 'abençoadas' com uma criança indesejada que não conseguem amar!
Essa é a estória do filme We need to talk about Kevin (baseado no romance de mesmo nome de Lionel Shriver), que faz coro a muitas das teorias modernas da psicologia e simula o que de pior pode acontecer com um adolescente que não teve o amor materno.
Para mim, foram 112 dolorosos minutos de assistir, porque a atormentada personagem de Eva é veementemente condenada pelos habitantes da pequena cidade onde vive, por ter falhado no seu mais importante papel como um indivíduo do sexo feminino. E ela aceita a culpa com uma verdadeira resignação materna.
Meu sentimento para com essa mulher foi o da mais profunda simpatia, porque carregamos um fardo pesadíssimo e extremamente idealizado desde o momento que concebemos uma nova vida.
De acordo com os padrões inatingíveis da sociedade contemporânea, somos responsáveis por tudo o que envolve nossos filhos: por uma amamentação tranquila, uma relação amorosa e um saco de paciência sem-fim; por uma alimentação consciente, frutas e verduras orgânicas, ovos caipiras e alimentos não-modificados geneticamente; por suas boas maneiras à mesa e boas notas na escola; por suas roupas limpas, cabelos penteados e dentes escovados; pela linha pedagógica da escola, pelo conteúdo visto na TV e acessado na Internet e pela escolha de seus amigos... Enfim, somos culpadas e respondemos por todos os atos de nossas crianças, inclusive os criminosos.
É por isso que precisamos falar sobre esta e todas as demais Evas, igualmente falhas como sua homônima bíblica e expulsas do Paraíso por outro pecado original: o de não amarem o ser saído das próprias entranhas da maneira e com a intensidade que a cultura, a religião, a família e até o parceiro demandaram delas.
Precisamos falar e mudar a imagem criada da mãe ideal, adicionando-a carne, osso e neuroses mal resolvidas, porque também nós somos o produto de outras mães e pais imperfeitos. E, antes que púdessemos resolver nossos defeitos de fábrica, muitas de nós se vêem na linha de montagem causando novos desajustes na geração seguinte. Desajustes esses que devem ter começado com a primeira mulher criada por Deus e que deu à luz a Caim (o primeiro homicida da Humanidade) e Abel.
Ah, tomara que se fale muito sobre Kevin e Eva, para que possamos ser capazes de tirar as figuras mitificadas de seus altares (inclusive a da criança pura e inocente) e discutir com mais honestidade sobre a maternidade e seus problemas reais no mundo atual.
Talvez então possamos ser melhores mães ou exercer o direito de não o ser se assim o desejarmos. Sem culpa nem execração pública.
Um comentário:
Eu pensava que ia tirar a maternidade de letra, mas foi mais uma desilusão em minha vida. Você soma noites mal dormidas com um choro que te deixa apavorada e um monte de pessoas insensíveis, egoístas e cruéis em volta de ti: da sua família e da família do pai da criança! A gente não tem esse gene de "mãe" porque ele não existe, a gente torna-se mãe ou pai e vamos fazendo o que é possível!
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