segunda-feira, 2 de abril de 2012

Il dolce far niente

Segundo o dicionário online MacMillan, "lady of leisure" é uma mulher que não precisa trabalhar, ou porque o marido ganha bem ou porque ela vive de alguma herança ou ainda porque tem um 'protetor' endinheirado. No sentido figurado e bastante contemporâneo, também pode significar uma pessoa do sexo feminino que está desempregada ou até uma prostituta (quando a ênfase cai mais sobre a palavra 'leisure').
A origem dessa expressão, no entanto, é desconhecida, mas tenho um palpite que ela é tão antiga quanto as sociedades greco-romanas da Antiguidade, em que havia trabalho escravo  em abundância e as senhoras dos então cidadãos estavam livres de obrigações e responsabilidades domésticas e podiam despender seu tempo ocioso em outras atividades de lazer.
Desde que nos mudamos para a Inglaterra (em 2010) e minha filha tinha apenas 4 meses de vida, meu marido insitia para que eu não ficasse, desnecessariamente, estressada com o prazo de entrega dos trabalhos de revisão e tradução que eu teimava em continuar aceitando e me dedicasse à criação de nossa menina e à manutenção de nossa casa. Afinal de contas, o que eu recebia não tinha muito impacto nas finanças da família...
Mas isso era algo impensável para mim, mesmo com a terrível descarga de adrenalina que eu sentia ao me dividir entre os cuidados da minha Pequena e o término de um arquivo no tempo estabelecido.
Eu já tinha abandonado, por causa da maternidade, a ideia de um emprego convencional, das 9h às 18h, num lugar remotamente parecido com ou que pudesse ser chamado de escritório. Desistir do meu último vínculo com o mundo fora da minha tríade atual (mãe-esposa-e-dona-de-casa) parecia um passo atrás na minha História pessoal e outro dentro de culturas retrógradas e conservadoras, ainda que morando num país desenvolvido e que oferece benefícios em dinheiro para as mães cuidarem de suas crianças em casa.
Mas a vida é cheia de surpresas e, desde que retornamos para a Inglaterra (em janeiro de 2012 e depois de quase dois meses de 'férias' entre o Brasil e a Índia), meu computador de quatro anos deu seu derradeiro suspiro eletrônico e não ligou mais.
Com o coração repleto de tristeza pela perda repentina de um velho companheiro, fui obrigada a estender meu período de inatividade, indefinitivamente, na empresa para a qual fazia serviços freelance de tradução e revisão e passei a ter mais horas sobrando no meu dia, para empregá-las em outras atividades.
A lady of leisure at last? Well, not quite! É difícil enquadrar o glamour dessa expressão nas tarefas domésticas que continuam a se avolumar diariamente e que eu continuo a executar sozinha, sem vigorosos escravos à minha disposição.
Entretanto, não preciso mais representar o papel daquela tríade feminina às pressas. E a simples ideia de poder realizar a limpeza da casa ou fazer a comida para a família ou sentar no sofá com a minha filha, com calma, sem prazos para cumprir, é libertadora.
E talvez seja esse o real significado da expressão inglesa (do latim,  licēre quer dizer 'ser permitida'): "lady of leisure" é a mulher que tem permissão de desfrutar os confortos da casa e, principalmente, de apreciar a companhia dos filhos, ou porque o marido ganha bem ou porque ela vive de alguma herança ou ainda porque tem um 'protetor' endinheirado.
Graças ao meu marido, nunca curti tanto nossa menina e nossos momentos juntas, em frente à televisão, saboreando uma refeição maravilhosa, no mais puro estilo do dolce far niente.

Um comentário:

Anônimo disse...

Acredito que o que importa é a pessoa ser feliz!
Eunara