terça-feira, 22 de maio de 2012

Parafraseando Sartre...

Há pessoas que acham que a gravidez, o ato de dar à luz e a maternidade são os momentos mais profundos e femininos na vida de uma mulher.
Pessoalmente, não acredito que esses eventos estejam restritos ao gênero e acho que eles sejam, de fato, uma experiência cármica de proporções cósmicas imensuráveis, que abalam as trajetórias de evolução de dois ou mais espíritos, mútua e constantemente.
Eu planejei minha cesária. Eu escolhi o nome e o dia em que minha filha viria ao mundo, com base no melhor resultado que a numerologia online podia me oferecer. Eu consegui intervir ainda mais e cheguei a marcar a hora que ela iria nascer; mas os minutos e segundos que determinariam o arranjo planetário do exato instante em que ela fosse inspirar o prana pela primeira vez estavam absolutamente fora do meu controle.
Assim, a fotografia do céu (com sua distribuição de signos, planetas e aspectos pelas doze casas do seu zodíaco), ou seja, o mapa astrológico da minha filha troxe formações e elementos inesperados. Parecia um aviso divino dizendo que, mesmo podendo conceber uma vida, eu não era Deus; parecia um lembrete, tatuado num plano superior, do que precisávamos retomar de um passado em comum.
E lá estava minha menina com sua Lua em Câncer, fazendo quadratura com Saturno.
Para quem não entende de astrologia, essa é uma posição extremamente desfavorável e tem repercussões profundas na psique da criança, além de ser uma das piores culpas para uma mãe carregar. Segundo a interpretação dada pelo próprio site que me mostrou o aspecto planetário:
"Her relationship with her mother is disturbing and difficult, she has considerable family problems. This is the standard aspect for children who are abandoned or lack maternal love."
Estranhamente, desde que ela nasceu, tenho ouvido, mais ou menos, o mesmo tipo de comentário de pessoas próximas a mim ou não: "Tão bonitinha! Se não quiser, pode me dar que eu cuido!"
Nunca descobri se isso é uma coisa comum de uma mãe ouvir ou se a maldita quadratura já pairava acima da minha cabeça, mas o fato é que venho, desde então, me perguntando se eu seria capaz de abrir mão daquele bebê que eu tanto queria só para mim.
E, em abril, quando me deparei com o livro de Margaret Forster, "Shadow Baby", sobre duas meninas abandonadas pelas mães por razões e em épocas diferentes, achei que entenderia os motivos 'maternos' para um ato desses.
Apesar do abalo sísmico que a leitura me causou, não consegui me identificar com o perfil psicológico das protagonistas. Eu não era jovem nem estava economicamente desamparada quando engravidei da minha menina, e também não a acusei de ser o resultado de uma entrega amorosa ingênua.
Pouco mais tarde, encontrei outro título que chamou minha atenção: "The Child Inside" de Suzanne Bugler, que narrava a estória, em primeira pessoa, de uma mulher de 40 anos, insatisfeita com a vida de mãe-esposa-e-dona-de-casa após perder o segundo bebê com 7 meses de gestação. Não passei por tal perda, mas o descontentamento e a amargura de Rachel me soaram muito familiares e me mostraram que o relacionamento ruim entre os pais pode, igualmente, desestruturar o emocional da criança.
E foi então que eu entendi.
Em qualquer lugar no mapa astral, Saturno é um planeta muito difícil, limitante, castrador; e uma quadratura com a Lua pode mostrar uma figura materna com características semelhantes. Dessa forma, ao invés de um desapego total (que levaria ao abandono), eu desenvolvi um amor quase patológico pela minha filha, mantendo-a só para mim; tirando-a, deliberadamente, do convívio com os avôs paternos; negando sua herança indiana; e, principalmente, limitando o número de pessoas que podem competir comigo por seu carinho e atenção.
Eu acabei me tornando uma mãe saturniana, pronta para devorar meu filhote.

Não vai ser nada fácil, mas é aqui que tenho o poder (e o dever) de, mais uma vez, intervir nos nossos destinos e criar um carma positivo para nós duas, pois o que está escrito nas estrelas e nas doze casas zodiacais de cada indivíduo não é uma sentença final e definitiva.
Ter a lucidez de que nosso encontro espiritual não foi casual (mas causal) é o início para poder melhorá-lo.
E, parafraseando o filósofo existencialista:
Não importa o que foi escrito para mim (ou minha filha); o que importa, é como vou agir com aquilo que escreveram para nós.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

What is the cure?

Eu tinha apenas um ano quando a banda inglesa de rock alternativo The Cure era formada na pequena cidade de Crawley, em West Sussex, mas algumas das músicas de Robert Smith acabaram fazendo parte da trilha sonora da minha adolescência, no final dos anos 80.
O irônico é que, somente agora, vinte e poucos anos depois, as letras atormentadas do vocalista e compositor gótico passaram a fazer sentido na minha vida, como "In Between Days" :
"Yesterday I got so old
I felt like I could die
Yesterday I got so old
It made me want to cry [...]"
Então, resolvi entender melhor essa sensação e descobrir se meu corpo está realmente tão velho quanto o coração o sente, e fiz um teste online para saber minha idade interior (http://www.idadeinterior.com.br/). O resultado foi perturbador e, segundo o tal site, já tenho 40 anos! 
Mas acho que envelheci não apenas por ter me tornado mãe e parado de fazer as atividades físicas que eu fazia antes da gravidez (ou durante! Eu corria na esteira até um mês antes da minha filha nascer). Também não foi por eu ter largado o emprego recentemente e qualquer outro tipo de hobby e só estar me dedicando à casa, à cozinha e à Pequena.
O problema é bem mais antigo, mas só começou a me incomodar com a chegada da minha menina, quando se tornou impossível conviver com os sintomas.
Faz muitos e muitos anos que sofro de solidão.
Não, não é depressão. É solidão mesmo. É um estado emocional que me torna incapaz de me conectar intimamente com as pessoas e acaba me distanciando e isolando delas.
Na adolescência, o excesso de peso foi o disfarce que ela usou para me encurralar nos cantos das salas de aula e das reuniões dançantes, sempre me cobrindo com uma roupagem de inadequação e baixa auto-estima.
Eu simplesmente não conseguia pertencer a nenhum grupo.
E logo cedo fui procurar refúgio em longas viagens ao exterior, em países que eu não compreendia a língua nem a cultura e que passaram a me dar a perfeita desculpa para fermentar, ainda mais, o sentimento de solidão.
Mas fuji por muito tempo e fui longe demais, e acabei me casando e concebendo uma criança com um homem tão diferente de mim que não conseguimos nos entender nos menores assuntos dos breves momentos familiares que compartilhamos.
Não concordamos em quase nada, mas decidimos, juntos, viver distante da família dele, num território neutro, para criarmos nossa filha, aparentemente nosso único ponto em comum.
E foi quando meu estado se agravou.
Nunca senti mais solidão do que nas 10, 11, 12 horas que passava sozinha por dia com um bebê (meu primeiro bebê) de apenas 4 meses, sem parentes, sem amigos, sem um marido que compreendesse o quê nem como eu estava me sentindo num país estranho, frio, cinzento e nada amigável com estrangeiros.
E, agora que minha filha está com idade de socializar com seus pares e frequentar a pré-escola, sou novamente tomada pela sensação de inadequação e baixa auto-estima. Dessa vez, não por causa do meu peso, mas por causa do meu inglês incorreto e pouco fluente.
Continuo a não pertencer. Continuo no canto das salas, ouvindo as mães inglesas falarem, animadamente, sobre um tipo de vida que não tem nada a ver com o meu.
E volto a sentir a solidão, com toda sua força.
Branqueando meus cabelos, descalcificando meus ossos, manchando minhas mãos com senilidade.
Não sei se Robert Smith teria a cura. 
Talvez se tivesse prestado atenção em outra de suas músicas, "Cut Here", as coisas tivessem sido diferentes. "But 'If only' is a wish too late."

"I should've stopped to think - I should've made the time
I could've had that drink - I could've talked a while
I would've done it right - I would've moved us on
But I didn't - now it's all too late
It's over
And you're gone.
"

terça-feira, 15 de maio de 2012

Minha carteira e poeta

Obra literária do chileno Antonio Skármeta que foi adaptada para o cinema, em 1994, e ganhou fama e aclamação internacionais (mas apenas prêmios pela trilha sonora), Il Postino é uma comovente estória de amizade. E de uma amizade praticamente improvável entre um expatriado tão polido e renomado quanto Pablo Neruda e um carteiro tão simplório e de pouca educação como Mario Ruoppolo.
No entanto, havia uma coisa em comum entre esses dois personagens quase antagônicos: ambos distribuíam mensagens. Mario de maneira literal, por certo. Mas, com o progredir da narrativa e graças à ajuda do poeta, ele vai descobrindo a arte de fazer versos e tomando gosto pelas palavras inspiradas por sua amada Beatrice.
E Neruda também se transforma. O sábio e experiente mestre se vê profundamente tocado pelo inocente maravilhamento e rápido aprendizado do pupilo inculto...
Como uma mãe de meia-idade vendo o já tão conhecido mundo pela retina virgem e desacostumada dos rebentos; vendo as cartas passadas mecanicamente através da fresta da porta pelo funcionário da British Royal Mail e caídas no chão serem, ávida e prontamente, entregues pelas mãos de minha filha; vendo os envelhecidos versos brancos da minha vida se encherem novamente de rimas, de significados.
Assim, me desculpe saudoso Pablo, mas as palavras de Mario Ruoppolo estavam corretas("Poetry doesn't belong to those who write it; it belongs to those who need it"), e um de seus poemas, equivocado.
Quem chegou para me buscar não foi a poesía, mas minha filha: minha carteira e poeta, distribuindo novas mensagens.

Llegó "mi hija"a buscarme. [...]
Yo no sabía qué decir, mi boca
no sabía
nombrar,
mis ojos eran ciegos,
y algo golpeaba en mi alma [...]

Y yo, mínimo ser,
ebrio del gran vacío
constelado,
a semejanza, a imagen
del misterio,
me sentí parte pura
del abismo,
rodé con las estrellas,
mi corazón se desató en el viento.