quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Tributo à família Araújo

Segundo a escala de (Virgínia) Apgar, minha filha ficou a apenas um ponto de receber avaliação dez no primeiro e quinto minutos de vida, por causa da cor de pele azulada. Provavelmente, ela sentiu frio fora do aclimatado útero materno.


Mas, com essa exceção, ela era um bebê normal...
Até apresentar um estalinho no quadril esquerdo, percebido, posteriormente, durante um exame pediátrico de rotina.

Depois de consultar vários especialistas e de fazer uma ultra-sonografia da área, deixamos o Brasil com a certeza de estar tudo normal e com a recomendação médica de repetir o teste aos seis meses de idade.
No entanto, são mínimas as chances de se conseguir uma brecha no abarrotado sistema de saúde público do Reino Unido (um verdadeiro SUS de primeiro mundo, onde é preciso marcar hora para ir à emergência do hospital!) e só pudemos ver a doutora Annie Hurley agora, quando a nossa menina está prestes a completar dez meses.

Ser mãe não é tarefa fácil, mas ser mãe de um filho doente deve ser uma das mais difíceis de se desempenhar, mantendo a dignidade. E foi por esse motivo que senti terror, pânico e uma profunda compaixão ao entrar na ala pediátrica do Centro Ortopédico Nuffield, em Headington, Oxfordshire.
A sala de espera estava lotada e, para qualquer lado que eu olhasse, havia crianças de próteses, muletas e em cadeiras-de-rodas. E tinha até um bebê com as duas perninhas engessadas! Uma cena que, por si só, encheria de tristeza o coração de qualquer pessoa, quanto mais de um pai.

O pior foi descobrir que a minha filha está, novamente, a um mísero pontinho da perfeição, para sua idade. Ao invés de 27 graus, o ângulo formado entre os ossos da bacia é de 28. Isso não é tragicamente anormal, mas coloca nossas vidas em suspense por mais um ano, quando teremos que fazer novos exames e medições. Só então os médicos vão ter mais clareza sobre o desenvolvimento ósseo daquela região e decidir se a extrema flexibilidade nas pernas da nossa menina é aceitável ou requer intervenção cirúrgica.

De repente, a imagem da minha única filha deitada numa cama de hospital me fez lembrar do acidentado e doloroso caminho trilhado por Lucinha Araújo e Agenor de Miranda Araújo Neto, o Cazuza. Seja qual for o nosso destino, rezo para ter a mesma força e coragem que aquele exemplo de mãe, ainda hoje, oferece aos pais do Brasil.

Da minha parte, deixo aqui meu sincero respeito por aquela família.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O grande segredo

Esqueçam os livros. Esqueçam o doutor Rinaldo De Lamare ou a Encantadora de Bebês, Tracy Hogg. Esqueçam os sites especializados e os blogs amadores. Esqueçam esta postagem assim que terminarem de ler...

Porque não há “receitas de bolo”, não há “guias-passo-a-passo”, não há instruções online a serem seguidas, quando o assunto é maternidade.

Cada criança é tão diferente da outra quanto sua impressão digital.
Cada uma traz consigo uma bagagem genética única para enfrentar sua estada temporária num ambiente sócio-econômico-político-cultural-religioso-familiar também único.

Então, por que procurar as respostas dadas por outros bebês?

Como dizia minha mãe, não importa se o parto é normal, natural, orgásmico ou friamente planejado; quando os filhos colocam a cabeça pra fora das suas respectivas progenitoras e espiam o mundo exterior pela primeira vez, não carregam o “Pequeno Manual Secreto” (à prova de líquido amniótico) debaixo dos braços. Pelo menos a minha obstetra não me entregou nada no hospital, além dos honorários da equipe médica.

Por outro lado, não há dúvidas de que exista um tipo de chip interno desencadeando cada fase do desenvolvimento infantil e que os bebês passem por elas de maneira, mais ou menos, similar. A minha filha, por exemplo, começou, primeiro, a firmar a cabeça; depois a sentar; faz pouco tempo que engatinha e, agora, parece pronta para ficar de pé. Tudo isso sozinha e instintivamente, sem recorrer a um tutorial disponível na internet ou à ajuda de um baby personal trainer ou ainda à leitura de um exaustivo tratado de algum pediatra ou psicólogo especializado em crianças.

Assim, por que se preocupar se o peso ou a altura está um pouco acima ou abaixo da média para a idade x ou y? Ou se os primeiros dentes de leite nasceram um pouco antes ou depois do esperado? Ou se as quantidades de cálcio, ferro, vitaminas A, C, D, E, K ingeridas diariamente estão corretas?
O bom e observador pai sabe quando o filho está saudável ou não, independente dos números descritos nos livros. (Como será que as mães de antigamente sobreviviam – e suas proles – sem os conselhos do dr. De Lamare?)

Além disso, todos nós temos nosso próprio ritmo de aprendizado, nossas limitações e primazias: faz parte daquela mala de mão (com 23 combinações de cromossomos maternos e paternos) que trazemos conosco ao mundo.

Por isso, não há dicas prontas, rápidas e fáceis para se criar uma criança.

Na verdade, não há nada realmente fácil na maternidade e até mesmo uma cesariana com hora marcada oferece riscos de vida.

Mas há várias certezas.

Um delas é que, por causa da inexistência do Pequeno Manual Secreto, estamos fadados a cometer erros com nossos filhos, assim como nossos pais cometeram com a gente, e os nossos avós antes deles...
É parte inerente da função, ou missão, de conceber outro ser humano.

No entanto, e aqui está o grande mistério dessas criaturinhas choronas, mesmo sem o tal manual, cada bebê já possui as soluções para os seus problemas, codificadas numa língua desconhecida pelos progenitores.
Leva tempo e pode demorar vários e vários meses (possivelmente anos ou até décadas!), mas bastam atenção e toneladas de paciência (outra coisa que eles deveriam trazem junto, na hora do nascimento) para desvendá-la e aprendê-la.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

A abominável insânia do meu ser

Eu tinha 19 anos quando tentei ler Milan Kundera pela primeira vez.

Em vão. Juro que não consegui virar a página um do livro. As palavras simplesmente não faziam sentido pra mim; pareciam o próprio idioma tcheco do autor.

Assistir à adaptação cinematográfica da obra, feita por Philip Kaufman, foi igualmente perda de tempo. Naquele momento...
Era como se eu não tivesse vivido o suficiente para compreender e sentir a leveza trágica dos personagens da "cidade das cem cúpulas" e de seus chapéus-coco.

Assim como na literatura, certas canções da minha adolescência passaram por mim sem muito peso, sem substância, levitando como música de fundo num restaurante com ar-condicionado.

Só fui entender o Exagerado Cazuza, por exemplo, em 2003, depois que uma importante pessoa saiu da minha vida por vontade própria e “um troço qualquer morreu, num corte lento e profundo, entre [ele] e eu.”
Não houve poeta que melhor traduzisse a minha dor de então.

Ontem foi a vez de Legião Urbana e sua Sereníssima.
Foi quando escancarei a porta de um aposento que nunca está trancada na minha morada interior; que há anos permanece entreaberta, espreitando e esperando a hora certa pra revelar o que esconde atrás de si.

Foi ontem que o meu “animal sentimental” de olhos carmins escapou do cômodo e tomou conta da casa; quebrou pratos, derrubou móveis, rasgou cortinas e estraçalhou os vidros das janelas; saiu correndo e gritando e deixou um rastro de vazio com a destruição.

Ainda não encontrei palavras na prosa tcheca que possam descrever meu hiato de insanidade, mas tenho esperança que os versos do cantor brasileiro estejam corretos e que agora, depois de soltar a besta, consiga alcançar meu equilíbrio, já que a insânia é abominável.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Enfim, só?

Ultimamente, nada me deixa mais infeliz do que fechar a porta de casa, às oito e meia da manhã, depois de dar um beijo de despedida no meu marido e desejar-lhe um bom dia de trabalho.


É o prelúdio da minha agonia.

Ainda com a mão esquerda na chave, olho para a minha filha pendurada no outro braço e sofro em pensar nas dez longas horas que teremos pela frente, sozinhas.

Era tudo o que eu queria cinco meses atrás, mas sinto que estou pagando um preço bem alto pelo meu egoísmo de então: ter a minha menina só para mim, nos seus primeiros anos de vida; formar com ela um vínculo tão intenso que ninguém, nem uma cultura ou religião, seria forte o bastante para desfazê-lo.

Mas o plano não está saindo da maneira que eu havia imaginado.
Na verdade, saiu foi pela culatra e ela está tão apegada à pessoa que mais vê e escuta todos os dias, que somente para de choramingar quando aconchegada no meu colo. Ela, inclusive, já demonstra sinais claros de ciúmes ao ver os pais abraçados ou a mãe (tentando) dar alguma atenção ao trabalho, doméstico ou de tradução.

O pior é que nem na sagrada hora do banheiro eu tenho conseguido fica em paz, a sós. Principalmente se for durante o período de ausência do marido, pois preciso ficar de olhos bem abertos nas aventuras exploratórias da minha filha. Agora que aprendeu a se virar e a engatinhar por todos os lados, ela quer investigar os cantinhos mais recônditos da casa, as gavetas, os armários, as mesinhas de cabeceira e tudo o que encontrar pelo caminho. E como adora o fio do mouse, da webcam, do aspirador de pó e do ferro de passar!

Não sei mais o que fazer. Ou ela se acaba de tanto chorar e me encho de culpa, ou ela consegue o que quer, fica no meu colo e eu me encho de culpa. Tenho tido tanto pavor dessas frequentes sessões de grito e histeria que chego a segurar a respiração e a caminhar na ponta dos dedos toda vez que ela tira o cochilo da manhã e da tarde, por medo de acordá-la!

Parece um beco, aparentemente, sem saída.

Como estou decidida a não deixá-la com estranhos até ela aprender a falar (por experiência própria sei que um adulto não dá conta de uma única criança, quanto mais de outras quatro ou cinco, como acontece nas creches do mundo todo! Ela, certamente, seria negligenciada.), só penso em importar meus pais aposentados do Brasil, para me ajudarem a cuidar dela.

Pai, Mãe, prometo publicamente que ofereço casa, comida, roupa lavada, as passagens aéreas para Oxfordshire, tudo para, enfim, poder ficar algumas horinhas do dia a sós.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Ma vie en rose

Desde que me entendo por gente, só me lembro de uma vez ter vestido algo cor-de-rosa, por vontade própria. Na verdade, eu “surrei” um vestido rosa-choque de algodão que havia trazido da Disney. Tanto que, depois de uns seis meses de uso contínuo, minha mãe (provavelmente aterrorizada de olhar para aquele trapo ambulante) resolveu dar sumiço no que restou dele. Mas foi o único.


Quando o assunto envolvia maquiagem, eu era igualmente desinteressada e até com um brilho bem clarinho eu já me sentia meio esquisita.
Mas eu tive uma boneca Barbie, a sua casinha e uma porção de roupas diferentes com as quais eu brincava e tinha devaneios até os quinze anos de idade. Foram momentos lúdicos que cultivei até entrar, em definitivo, no mundo dos adultos.

Aos trinta as coisas mudam.
Por mais que se esteja em forma, o corpo e a pele não são mais os mesmos da década anterior. A juventude ainda não está de todo perdida, mas já apresenta sinais de deterioração.

E, aos poucos, eu também fui mudando, assim que me tornei uma balzaquiana.

Primeiro foi o delineador indiano, o kajal.
Impossível ficar indiferente aos padrões de beleza de um país, quando se está há tanto tempo submersa em outra cultura. Mas o que realmente me fez aderir ao produto (à base de galena moída) foi o fim da minha estada de um mês numa instituição que ensinava ioga. Com a cabeça raspada, eu queria desviar a atenção das pessoas para os meus olhos e não pra falta de cabelo.

Em seguida, comecei a fazer uso da base, do pó compacto e do batom para atenuar as cicatrizes de acne e conseguir dar minhas aulas de inglês, com confiança, para os homens de negócios de Beagá. Cheguei bem perto de usar salto alto, mas esse doloroso objeto de desejo do sexo feminino ainda é incapaz de me seduzir.

A verdadeira transformação, no entanto, começou agora, com o nascimento da minha filha. Eu nunca quis outra Barbie aos trinta e cinco anos e sentia completa indignação quando algumas mulheres me diziam que era melhor ter uma menina, que era mais fácil de vesti-la e enfeitá-la!

Eu até que resisti bastante e ainda tento manter o azul, o verde e o amarelo no guarda-roupa da minha Pequena, mas há algo tão genuinamente infantil e inocente a respeito do rosa que acabou subjugando meu feminismo teimoso e me levando para o estereótipo dominante.
Ainda mais com aquelas bochechas rechonchudas, imensos olhos castanhos e longos cílios de boneca.

Ela fica linda de qualquer jeito, mas essa cor simplesmente tomou conta da casa, do banheiro, do chão com seus brinquedos espalhados e do meu armário... Vinte anos depois daquele primeiro vestido rosa-choque de algodão e influenciada pela minha filha, me dei o direito a esta indulgência e a dar vazão à minha negligenciada menina interior e, atualmente, durmo com uma confortável camisola rosa-bebê, com ursinho bordado e tudo.

Minha vida pode não ser um mar de rosas, mas foi invadida por todas as matizes dessa cor.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Até que a morte nos separe

Não. Essa não foi a promessa mútua que fizemos no altar, diante de uma imagem melancólica e cabisbaixa de Jesus Cristo.
Pelo menos, não que eu tenha tido conhecimento, pois não passamos nem perto de uma igreja católica no dia do nosso casamento religioso.
Assim, se eu tiver consentido com qualquer coisa num idioma que não entendia foi a mais pura ignorância e o desejo iminente de tirar aqueles sininhos dos pulsos e mais de três quilos de tecido bordado do corpo.


Mas o que eu realmente ignorava era pra quem, de fato, esse prometimento formal é dirigido: para o fruto da união, a prole. O companheiro ou cônjuge pode entrar e sair das nossas vidas, mas filho é para sempre.

E ninguém nos avisa.
Nem o padre, nem o sacerdote sikh, nem nossos próprios pais (talvez por receio de que possamos mudar de ideia e enriquecer a indústria dos contraceptivos pelos próximos trinta anos), mas, ao colocarmos uma criança no mundo, também nos tornamos contraentes de um acordo consanguíneo que só se expira no momento que uma das partes deixar de existir.

É claro que o contrato nos reserva incontáveis horas de felicidade,
mas temos uma cota igualmente grande de preocupações, sacrifícios, angústias, medos, e nossas responsabilidades não terminam quando eles se formam, arrumam um emprego e saem de casa. Cada fase pela qual os filhos passam traz junto uma série de problemas, impressos numa fonte bem miudinha, de leitura difícil, no verso do documento. E não existe forma legal, natural ou moral de rescindir tal contrato de adesão.

Por isso, UMA só pra mim basta...

Para cuidar e confortar, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença
até que a (minha) morte nos separe.
Porque a minha menina não pode me deixar antes!

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Menina Classe A

A indústria cinematográfica é muito parecida com a da moda e, de tempos em tempos, relança produtos que deram certo no passado, com  o layout atualizado.


É por isso que, neste ano, um grupo de mercenários e ex-militares de elite do Exército dos Estados Unidos foi ressuscitado dos seriados de TV da década de 80 e transformado em filme pela 20th Century Fox.

Produzido pela rede de televisão americana NBC, o “Esquadrão Classe A” ficou no ar por cinco temporadas, de 83 a 87, e teve semelhante popularidade no Brasil, quando o SBT passou a exibir as aventuras de Hannibal, Cara de Pau, B. A. e Murdock nas noites de sexta-feira.
A equipe de comandos especiais foi um fenômeno tão grande no país que virou quadrinhos, álbum de figurinhas e bonecos de brinquedo.
E, vinte e poucos anos depois, o galã do quarteto original, Dirk Benedict, ainda colhe os frutos do sucesso da série e está em turnê pelos palcos britânicos com a peça “Columbo: Prescription Murder”.

Já a mais recente versão dos ex-Rangers não parece ter agradado os antigos fãs nem conquistado novos (mesmo com a presença sedutora de Liam Neeson), e o desempenho comercial do filme tem sido aquém das expectativas.

Pessoalmente, achei a estória explicada demais, tirando a oportunidade do espectador preencher as lacunas sozinho.
Mas a minha filha adorou o estardalhaço das cenas de ação e, toda vez que eu revisava o arquivo para o DVD, ela atravessava nossa sala de estar com a rapidez e desenvoltura de um verdadeiro boina-verde. Não importava se o terreno fosse acidentado ou repleto de obstáculos, de onde ela estivesse sentada ela jogava o corpo pra frente até ficar de barriga no chão e rastejava em disparada, na direção do meu computador.

E nem mesmo o pouco de pó e sujeira acumulados no dia anterior e impregnados, então, na parte frontal das suas roupas conseguia diminuir seu sorriso de contentamento, ao chegar na beira do sofá onde eu trabalhava, levantar a cabeça e ouvir, bem de perto, a clássica trilha sonora do seriado.

Se todo esse exercício não for um ensaio pra ela ser parte de outra equipe de comandos especiais, daqui a vinte e poucos anos, pelo menos a minha filha já está me ajudando a limpar a casa.

Para assistir à abertura da série de TV, visite o site:
http://www.youtube.com/watch?v=q1og3LqxiDg