terça-feira, 17 de agosto de 2010

A abominável insânia do meu ser

Eu tinha 19 anos quando tentei ler Milan Kundera pela primeira vez.

Em vão. Juro que não consegui virar a página um do livro. As palavras simplesmente não faziam sentido pra mim; pareciam o próprio idioma tcheco do autor.

Assistir à adaptação cinematográfica da obra, feita por Philip Kaufman, foi igualmente perda de tempo. Naquele momento...
Era como se eu não tivesse vivido o suficiente para compreender e sentir a leveza trágica dos personagens da "cidade das cem cúpulas" e de seus chapéus-coco.

Assim como na literatura, certas canções da minha adolescência passaram por mim sem muito peso, sem substância, levitando como música de fundo num restaurante com ar-condicionado.

Só fui entender o Exagerado Cazuza, por exemplo, em 2003, depois que uma importante pessoa saiu da minha vida por vontade própria e “um troço qualquer morreu, num corte lento e profundo, entre [ele] e eu.”
Não houve poeta que melhor traduzisse a minha dor de então.

Ontem foi a vez de Legião Urbana e sua Sereníssima.
Foi quando escancarei a porta de um aposento que nunca está trancada na minha morada interior; que há anos permanece entreaberta, espreitando e esperando a hora certa pra revelar o que esconde atrás de si.

Foi ontem que o meu “animal sentimental” de olhos carmins escapou do cômodo e tomou conta da casa; quebrou pratos, derrubou móveis, rasgou cortinas e estraçalhou os vidros das janelas; saiu correndo e gritando e deixou um rastro de vazio com a destruição.

Ainda não encontrei palavras na prosa tcheca que possam descrever meu hiato de insanidade, mas tenho esperança que os versos do cantor brasileiro estejam corretos e que agora, depois de soltar a besta, consiga alcançar meu equilíbrio, já que a insânia é abominável.

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