Eu tinha 19 anos quando tentei ler Milan Kundera pela primeira vez.
Em vão. Juro que não consegui virar a página um do livro. As palavras simplesmente não faziam sentido pra mim; pareciam o próprio idioma tcheco do autor.
Assistir à adaptação cinematográfica da obra, feita por Philip Kaufman, foi igualmente perda de tempo. Naquele momento...
Era como se eu não tivesse vivido o suficiente para compreender e sentir a leveza trágica dos personagens da "cidade das cem cúpulas" e de seus chapéus-coco.
Assim como na literatura, certas canções da minha adolescência passaram por mim sem muito peso, sem substância, levitando como música de fundo num restaurante com ar-condicionado.
Só fui entender o Exagerado Cazuza, por exemplo, em 2003, depois que uma importante pessoa saiu da minha vida por vontade própria e “um troço qualquer morreu, num corte lento e profundo, entre [ele] e eu.”
Não houve poeta que melhor traduzisse a minha dor de então.
Ontem foi a vez de Legião Urbana e sua Sereníssima.
Foi quando escancarei a porta de um aposento que nunca está trancada na minha morada interior; que há anos permanece entreaberta, espreitando e esperando a hora certa pra revelar o que esconde atrás de si.
Foi ontem que o meu “animal sentimental” de olhos carmins escapou do cômodo e tomou conta da casa; quebrou pratos, derrubou móveis, rasgou cortinas e estraçalhou os vidros das janelas; saiu correndo e gritando e deixou um rastro de vazio com a destruição.
Ainda não encontrei palavras na prosa tcheca que possam descrever meu hiato de insanidade, mas tenho esperança que os versos do cantor brasileiro estejam corretos e que agora, depois de soltar a besta, consiga alcançar meu equilíbrio, já que a insânia é abominável.
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