No final do século XIV, surgiu uma expressão entre a aristocracia inglesa para se referir ao forte desejo que alguns de seus membros possuíam por alimentos e iguarias adocicadas, o sweet tooth (literalmente traduzido como o dente doce).
Mas, na verdade, isso não é nem recente nem limitado à classe nobre da sociedade.
Dizem os evolucionistas da espécie humana que, antes mesmo de qualquer civilização rudimentar ter sido formada, os caçadores e coletores pré-históricos já apresentavam uma visível predileção pelas doçuras oferecidas pela natureza, como maçãs, pêras, bagas silvestres e mel. E a razão não está na cara, mas na camada adiposa da barriga: se era necessário gastar tanto tempo e esforço na procura de alimentos, esses deveriam conter alto valor calórico.
Curiosamente, o doce é um dos mais fracos dos cinco gostos básicos do nosso paladar, enquanto que o amargo é o mais forte. De novo, a culpa é de nossos primos de neandertal que, durante suas buscas por comida, foram percebendo que o amargor sentido ao mastigarem certas plantas estava associado à presença de toxinas potencialmente nocivas à saúde. Dessa forma, fomos criando uma baixíssima tolerância para o sabor amargo e nossas palilas gustativas, um insaciável desejo por doces, balas, bolos, tortas, pudins, chocolates...
E tudo começa pelo morno e adocicado leite materno, farto de lactose. Ou pelo leite em pó, produzido e fabricado para suprir absolutamente todas as carências dos recém-chegados ao mundo dos açúcares. Mas é o próximo estágio no desenvolvimento palatal da criança o que mais assuta: a fase das papinhas.
Felizmente, foi mais fácil que mamão com açúcar e nada parecia causar mais excitação nela do que saborear uma fruta madura e esmagadinha, entregue a colheradas numa boquinha ávida por novas experiências. O problema, mesmo, foi introduzir qualquer outro tipo de comida que não fosse tão doce.
E eu tentei de tudo com a minha filha, desde mingau de arroz, purê de batata, sopa de cenoura, até os mal-cheirosos produtos industrializados para bebês. Ela simplesmente rejeitava qualquer coisa salgada.
Mas, numa inesperada janta em família, a minha menina acabou provando um pouco do nhoque que os pais comiam e, a partir de então, passou a quase “comer” qualquer refeição que também estivéssemos compartilhando. Quase porque ela bem que tentava morder e quebrar o alimento, mas faltavam os dentes e sobravam caretas para concluir, sofregamente, tal tarefa. Onze meses e a minha filha continuava tão banguela quanto quando tinha nascido, e eu continuava dando bolachinhas (inclusive recheadas com chocolate belga), para fazê-la praticar o exercício da mastigação.
Mas, numa inesperada conversa pelo Skype com a família, minha mãe perguntou o que ela estava comendo, sentada no chão, debaixo da mesa com tampo de vidro da sala de jantar. Naquele momento, ao sentir uma saliência cortante na não-mais-tão lisa gengiva inferior, eu sabia.
Sabia que ela estava ficando pronta para saciar, com plenitude e destreza, seu desejo ancestral por doce.
E assim despontou o primeiro dente de leite da minha filha. E tenho minhas suspeitas que é o sweet tooth.
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