sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Em busca de uma pedrinha

Doze de março de 2007. Tinha chegado o momento.

Depois de encostar na pontinha da África, aportar na Europa, atravessar o Oriente Médio, chegar às portas da Ásia e viver no Sub-continente Indiano por quase 3 anos, eu precisava de algo para me fazer lembrar dessa longa estada. Não importava se fosse uma cicatriz ou uma tatuagem, mas precisava ser algo permanente e visível o suficinte para despertar a curiosidade de amigos e desconhecidos, de filhos e netos por-vir, a fim de que este capítulo da minha vida surgisse de forma natural e não pudesse ser apagado nas areias do tempo.

A minha opção acabou sendo por uma recordação que, a princípio, parecia ser a menos dolorosa e a mais perfeita homenagem à Índia e a um dos meus autores brasileiros favoritos: Amyr Klink. Tal como ele, havia entendido que a minha jornada entre dois mundos diferentes tinha sido em busca de uma pedrinha, um piercing de prata.

Foi assim que, naquela segunda-feira de março, deixei a empresa no horário do almoço em direção à Comercial Street: a parte central de Bangalore onde se encontram as roupas baratas da China e as lojas muçulmanas de jóias e bijuteirias.

Gastei não mais do que 50 rúpias numa peça única prateada com uma ponta em forma de flecha e perguntei onde poderia furar o nariz. Tudo parecia correr mais fácil do que tinha imaginado porque, na mesma quadra, havia um hindu fazendo o serviço bem baratinho.

Sentei, mostrei a narina esquerda e quase me arrependi do que estava pedindo ao lhe entregar o piercing de prata e vislumbrar um objeto metálico na mesa ao lado.

Inútil. Uma estranha inércia me impediu de me levantar e ir embora. Ou talvez tenha sido a ilusão de que nada poderia ser pior do que tudo o que já havia vivido nessa terra.

Não podia estar mais enganada...
A dor provocada por aquele artefato medieval atravessando a cartilagem do meu nariz provocou lágrimas e súplicas para que ele não fosse adiante. Mas não adiantou. Ele só parou na segunda tentativa, quando o piercing saiu pela outra extremidade.

A tortura é que não havia terminado por ali.

Depois de duas dolorosas semanas e da quase certeza de que perderia parte da minha narina esquerda (devido à quantidade de pus que saia do buraco inflamado), tinha chegado mais um momento decisivo. Era hora de esquecer aquela homenagem sem sentido e deixar o furo fechar ou de passar por outros instantes de angústia e trocar a pedrinha.

A minha decisão acabou sendo por um delicado piercing de ouro.

Apenas o de prata estava no caminho, resistindo e se recusando a deixar o furo sem uma luta, travada durante intermináveis minutos diante do espelho do quarto e que lhe custaria a extremidade em forma de flecha.

Quando o dourado finalmente tomou seu lugar, senti um alívio.
O alívio de ter cumprido minha tarefa na Índia, de ter vivenciado e vencido meu carma indiano e de ter (assim como Klink) merecido minha pedrinha. Já podia içar velas e partir para novos mares.

Não podia estar mais enganada...
As areias do tempo mudaram com o vento e ofuscaram minha visão do horizonte. Foi dois anos mais tarde que descobri o que eu realmente estava buscando: uma sementinha.

Nenhum comentário: