terça-feira, 30 de novembro de 2010

O retrato de ÉfeBiKei

Um ano e vite e quatro dias.
Esse é o intervalo de tempo que transcorreu desde que a minha filha deixou o útero materno e a condição de ser simbiótico e iniciou sua jornada única e pessoal em direção ao pleno desenvolvimento de sua personalidade. E a individuação começou bem cedo aqui em casa.

Nesses quase trezes meses de vida, não lembro quando foi a última vez que ela se comportou da maneira como os pais (ou qualquer outro adulto de relevância) queriam, sem alguma manifestação de protesto.

Ela sempre mostrou uma certa resistência na hora de se vestir, mas, ultimamente, também tem travado uma batalha pra permanecer sentada no carrinho, tomar banho, comer, trocar a fralda e, é claro, dormir (esta digna da arena principal do Coliseu).

Mas uma boa mãe seria paciente e entenderia que essas mudanças de humor são normais durante o crescimento de qualquer criança; que, à medida que elas crescem, adquirem vontade, opiniões e gostos próprios, certo? Errado.

Duvido que algum progenitor já tenha passado na face desta Terra sem ter feito planos, sem ter pensado nos seus sacrifícios ou sonhado com as conquistas deles, sem ter traçado toda a vida dos filhos mentalmente, assim que os segurou nos braços pela primeira vez.

Porque esta parece ser a verdadeira razão para concebê-los: a chance de reviver, através deles, tudo o que não conseguimos ou pudemos viver como nós mesmos. E o adestramento começa bem cedo em qualquer casa.

Por isso, além de ensinarmos como se comportar e quando se vestir, tomar banho, fazer cocô e xixi e dormir, ainda escolhemos seus nomes, suas roupas, seu corte de cabelo, suas escolas e, em casos muito extremos, até seus amigos e namorado(a)s. Sempre com a (conveniente) desculpa de termos mais experiência e de sabermos o que é melhor para eles.

Estranhamente, em momentos assim, me lembro de um trecho do único romance de Oscar Wilde, quando o mentor intelectual de Dorian Grey, Lord Henry Wotton, diz que não há nada mais valioso no mundo que a juventude (quando não desperdiçada):
"The moment I met you I saw that you were quite unconscious of what you really are, of what you really might be. There was so much in you that charmed me that I felt I must tell you something about yourself. I thought how tragic it would be if you were wasted. For there is such a little time that your youth will last--such a little time. [...] We degenerate into hideous puppets, haunted by the memory of the passions of which we were too much afraid, and the exquisite temptations that we had not the courage to yield to. Youth! Youth! There is absolutely nothing in the world but youth!"
Mas quem precisa de um quadro sobrenatural, se podemos ter filhos e criá-los à nossa semelhança? Se podemos ser pequenos deuses egocêntricos e fazer nossa juventude perdurar através deles? Se podemos esquecer que eles têm o direito de ser? Se podemos ignorar que existe uma razão cármica para esse poderosíssimo laço afetivo entre pai-e-filho?

Pessoalmente, vai ser um longo e difícil aprendizado, porque, mesmo sem se parecer muito comigo, eu já sonhava que a minha fosse o retrato de ÉfeBiKei: vegetariana, feminista, independente, não-convencional, cidadã do mundo... E por falar nele, com todas as pessoas e influências que tem à sua volta, acho que já ficaria muito orgulhosa do meu rebento, se ela não se tornasse o retrato dos Jeis.

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