sexta-feira, 13 de abril de 2012

As mãos de minha filha

"Todos aqueles homens e mulheres ali no quarto escuro pareciam sombras de um submundo, criaturas sem voz nem movimento, prisioneiros de algum perverso sortilégio." E todos os olhares estavam fitos na zona central da cama, com a atenção presa nas feições desenhadas do pequenino rosto da recém-nascida: nos seus imensos olhos castanho-esverdeados e nos seus lábios que mais pareciam um botão de rosa...
Claro que eles sempre foram os primeiros a serem notados. Talvez os únicos.
No início, poucas pessoas conseguiam perceber seus finos cabelos da cor da árvore da castanheira ou suas brancas mãos de pianista, com dedos longos e delgados como os dos pai.
Só não sei se elas vão, algum dia, chegar perto de um piano ou de qualquer outro instrumento musical, mas as mãos de minha filha foram logo reparadas por sua mãe. E por ela mesma.
Desde cedo, aquele bebê já brincava com as extremidades dos seus braços e das suas pernas, realizando movimentos contorcionistas quase circenses. Deitada no berço, ela agarrava um dos pés com as duas mãos e trazia-o até a boca com uma agilidade e flexibilidade espantosas.
Mas quando o espanto e a admiração com essa parte do corpo passou, as mãos de minha filha começaram a dedilhar minhas bochechas, numa composição de afeto de autoria própria. E, com delicados beliscões, ia apertando-as (ora a esquerda ora a direita) enquanto tomava a mamadeira nos meus braços. Ela parecia fazer um reconhecimento táctil da face que a contemplava; parecia sua primeira forma de demonstrar carinho pela figura que a alimentava.
Entretanto, nossa mais intensa (e por vezes dolorosa) troca de amor acontece na hora de dormir. Seja no cochilo do meio do dia na minha cama ou à noite na sua, quatro longos e delgados dedinhos da mão de minha filha cobrem meu polegar enquanto seu próprio pólex o pressiona vigorosamente, até seus imensos olhos castanho-esverdeados se fixarem num ponto só visível para ela na penumbra do quarto. Aos poucos, vou sentindo as pressões diminuírem de intensidade e frequência e sei que ela está entrando no torpor hipnótico do deus grego do sono. Então, ela se entrega aos braços de Morfeu  sem mais resistência e adormece.
Não amamentei aquele pequenino bebê com feições desenhadas, mas nosso profundo vínculo emocial foi formado pelas mãos de minha filha.

2 comentários:

Anônimo disse...

Simplesmente espetacular, inspiração do "detalhe"!
Bjs
Eunara

Anônimo disse...

Lindo texto, amiga! Aqui em casa também já estou ganhando esses belicões adoráveis. Nossos pequenos são maravilhosos, não é?
Beijos, com carinho,
Aline