quarta-feira, 26 de maio de 2010

You, Me and Your Mother

O filme da Universal Studios com título semelhante (You Me & Dupree) e estrelando os atores Owen Wilson, Kate Hudson e Matt Damon é uma comédia romântica lançada em 2006. O enredo gira em torno de um jovem casal hospedando o padrinho e melhor amigo do noivo, logo após retornarem da lua-de-mel. Os 3 personagens passam por situações que beiram o rídiculo (como as películas desse gênero pretendem ser) mas que provam a sabedoria do ditado em inglês: “Two is company, three is a crowd” (Dois é companhia, três é uma multidão). Principalmente no início de um casamento.


A minha versão desse longa-metragem se parece mais com um noir de baixo orçamento da década de 40, com a minha sogra no papel de Dupree. É ela no sofá da nossa sala, no banheiro social, no canto da cozinha, no meio da nossa cama, roubando a cena e interferindo nas decisões mais básicas da nossa vida em comum: o que comer e o que não comer; o que vestir e o que não vestir; em quem acreditar e, fundamentalmente, como criar a nossa filha.

Ela já pairava como uma sombra sobre nós, muito antes de darmos as quatro voltas ao redor do livro sagrado dos Sikhs e sermos declarados marido e mulher. Enquanto eu estava sozinha e grávida de cinco meses em Bangalore, ela tinha chiliques e fazia chantagem emocional contra nosso casamento, num remoto mosteiro no norte da Índia. Agora, mesmo estando a mais de seis mil quilômetros de distância, ela questiona meus atos e liga diariamente para o filho, a fim de saber se eu cozinho comida indiana pra ele e como estou alimentando a neta dela.

O filme de Hollywood tem o esperado final feliz. O casal sai mais unido da situação e seu amor um pelo outro mais fortalecido. Dupree (depois de 36 anos, 9 meses e 23 dias) finalmente recebe o chamado da “Nave-Mãe” e inicia sua missão de comunicador à moda Lair Ribeiro, fazendo palestras e ajudando as pessoas a também encontrarem seu "lance" interior.

Já esta versão hindo- tupinanquim parece longe de terminar. E tenho medo que, ao retornarmos para a Índia, a sequência venha a se chamar “You, Me and Your entire Family”.

Para assistir ao trailer do filme que não foi feito, visite o site:
http://www.youtube.com/watch?v=LWynfsu87ag&feature=related

domingo, 23 de maio de 2010

There are wars that can’t be won

Acredito que a maioria das pessoas, quando se aproxima dos 18 anos, passa por um período de euforia e excitação; por aquela inocente fantasia de se tornar mais velho e independente com a simples adição de uma velinha às 17 já queimadas. Como se a maturidade viesse embrulhada num dos presentes de aniversário ou tivesse algo a ver com a idade arbitrariamente escolhida como maioridade pelos legisladores de um país.

Ela chega inevitavelmente atrasada, de última hora, depois do assoprar das velinhas. A primeira que bate à porta, no entanto, é a velhice.

Eu sabia que estava fora de forma. Minhas últimas semanas de gravidez e os seis primeiros meses de vida da minha filha foram muito cansativos, mas com pouca perda de calorias e nenhum exercício físico. Entretanto, só fui me dar conta do tamanho do estrago recentemente, ao levantar a Pequena do berço e quase cair por cima dela. Isso que ela ainda não pesa 6 quilos, mas eu há muito já passei dos meus vinte e poucos anos.

Era o som da campainha da porta da frente tocando.

E eu até que poderia ter pressentido sua chegada iminente. Os cabelos brancos cada vez mais visíveis e em lugares pouco esperados; a pele cada vez menos viçosa e elástica; as linhas do rosto cada vez mais profundas e evidentes; o mau jeito na lombar depois de meia hora na esteira da academia...

E, por falar nela, eu sou (literalmente) a mais nova frequentadora do Centro Esportivo de Gosford e Kidlington. Pelo menos, nas tardes ensolaradas de sábado e domingo, quando esta jovem mãe de meia-idade (sim, pois se as estatísticas em relação à expectativa de vida da brasileira estiverem certas e nenhum imprevisto acontecer, cheguei à metade da minha vida) arranja tempo para dividir os aparelhos de musculação com os aposentados de 65, 70 anos do vilarejo. Todos grisalhos, sem sinais de cirurgias plásticas ou Botox, mas usando tênis e trek suits da Nike e Adidas e com aquela experiente consciência de fazer da atividade física um meio para alcançar uma longevidade saudável. E aposto que é de um deles o adesivo de carro, estacionado perto da academia, em que se lê:
Eu ainda tenho as minhas dúvidas sobre isso. Sempre envolvida e agora casada com um homem cinco anos mais moço, eu precisaria conhecer a maturidade de perto para acreditar que um vinho envelhecido é mais saboroso que outro de uma safra jovem, com seu irresistível frescor frutado.

Mas tenho certeza de uma coisa: se o envelhecimento é, de fato, uma daquelas guerras que não se dá para vencer (como diz a canção do músico já em idade avançada Jon Bon Jovi), pode-se, pelo menos, perdê-la com dignidade e saúde.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

“If you kill my demons my angels might die too”

Minha sogra é uma mulher de 54 anos sem nenhuma vaidade. Ela tem uma meia dúzia de trajes surrados, cabelos bem grisalhos e dois dentes a menos na boca.
Ela é uma beata que segue as doutrinas da religião à risca e liga, todo santo dia, para o “pároco” da família, a fim de ouvir suas palavras de sabedoria e receber sua bênção por telefone.

Ela pratica a caridade e alimenta os ruminantes sem-donos do bairro com as sobras do almoço e da janta. Ela é uma mulher de 45 quilos, sem vícios nem paixões, que come com extrema moderação e sem uma pitada de prazer.
Além dos seus dois filhos, a única coisa que lhe traz alegria é gritar com os empregados da casa. Seu único pecado é a ira, cometido contra os pobres diabos das castas mais inferiores que dependem daquelas poucas centenas de rúpias e não podem levantar a voz em sua defesa.

Esta é a única maneira que ela conhece para deixar o vapor sair, pois, nas palavras de Tennessee Williams, não se pode acabar com todos os demônios sem também se destruir os anjos que existem em cada um de nós.

Outros que precisariam se aprofundar na obra do escritor norte-americano são seus colonizadores, os ingleses, principalmente os moradores deste pacato vilarejo em Oxfordshire.

As ruas estão sempre limpas e bem-iluminadas. Os canteiros são bem-tratados e arranjados com as flores da estação. O trânsito é organizado e os pedestres jamais atravessam fora da faixa de segurança. Os serviços públicos são eficientes e gratuitos e os servidores, educados.

Mas o que mais impressiona é a coleta de lixo. Há recipientes de diferentes cores, tamanhos e propósitos, recolhidos de forma programada e alternadamente, todas as quartas-feiras: material orgânico para adubo (restos de comida e resíduos de jardim); material semi-orgânico para aterro (fraldas, absorventes internos, cotonetes); vidro branco e marrom, papel e plástico para reciclagem; roupas e sapatos usados e usáveis para doação, etc.

Tudo perfeito, o paraíso na Terra não fossem os demônios dos seus moradores...

E somente aqueles que não compreendem a dualística da natureza humana ficariam chocados com as transgressões que ocorrem nas madrugadas de sábado e domingo, quando o consumo exagerado de álcool e outras drogas abre as portas para as sombras tomarem conta das ruas escuras do condado. Atos de vandalismo podem ser vistos nas manhãs seguintes e os nomes das vítimas de esfaqueamento e estupro, ouvidos e repetidos, maquiavelicamente, nos noticiários da TV e rádio locais.

Porque, debaixo do verniz da polidez, por trás do sorriso cortês, sob a máscara da afabilidade, há um mundo subterrâneo e sulfuroso com águas fétidas e prontas para entrar em ebulição; há um vizinho bisbilhoteiro espiando as pessoas pelas frestas da veneziana; há uma senhora aposentada fazendo fofoca sobre a nora para as amigas do bingo; há um valentão da escola maltratando os mais fracos e diferentes; há uma devota do Babaji infernizando a vida dos criados; há uma estrangeira contaminando o lixo orgânico do município com sacolas pláticas.

Como diz uma música do grupo alemão Rammstein (Gott weiss ich will kein Engel sein), Deus sabe que eu não quero ser anjo, só anjo; não quero ser perfeita; quero apenas manter meus demônios vivos e encontrar uma maneira construtiva de permitir que eles também venham à superfície e se manifestem.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Grazie, A.

Tive uma segunda-feira vermelha, mas passei o dia inteiro me sentindo tão blue.


Mais uma manhã fria e nublada em Oxfordshire. Mais uma batalha entre mim e a minha filha para fazer cocô e comer uma papinha diferente. Mais uma ruidosa e calorosa discussão com meu marido por... nada realmente importante.
Um hábito nesses últimos 3 meses de vida em comum, assim como meu constante estado de raiva e frustração sem motivo aparente.

Até esta segunda-feira, quando o tempo começou a mudar...

Graças a outro hábito adquirido há mais de 14 anos (confesso envergonhada que era ilegal e caro, já que eu tinha que repor tudo o que era indevidamente apropriado e comido), durante minha estada em Bremen: o de vasculhar as gavetas da cozinha dos Bader-Shäffer em busca de qualquer coisa comestível.

Dessa vez, fui “remexer” nos sites visitados por uma grande amiga blogueira e me deparei com um artigo escrito pela psicóloga Clarissa de Franco para uma revista online (http://www.personare.com.br/revista/casa-e-familia/materia/554/depois-de-gerarquem-somos), parcialmente reproduzido abaixo e que explica, magnificamente, o que venho sentindo depois da gravidez:


‘É muito comum as mães recém-chegadas ao mundo passarem de garotas fortes e determinadas a mulheres confusas, cheias de dúvida e de um certo vazio, que se refere a um estágio de reformulação de identidade. Não temos mais todas as certezas, como na juventude, e de quebra, nos tornamos responsáveis pela participação na construção de um novo ser. Mas como nos responsabilizar por tamanha tarefa, se não sabemos mais sequer quem somos?’

É uma pena que essas gemas da psicologia moderna permaneçam escondidas como baús enterrados em ilhas virtuais da Web, esperando por cyber-aventureiras como a minha colega de faculdade para descobrirem o mapa do tesouro e encontrarem as pedras preciosas da rede.

E para retificar meu vergonhoso ato de pirataria, quero homenagear minha companheira de Fabico e nossas memoráveis e nostálgicas noites na casa de outro fabicano, aprendendo as lições dos Pythons sobre a Vida de Brian e a vida em geral:


“...Life's a piece of shit
When you look at it...
(but) always look on the bright side of life...”

Porque podemos ter muitas outras segundas-feiras vermelhas e nos sentirmos um lixo pelo resto da semana, mas sempre devemos olhar para o lado bom dessa existência.

Para aprender a lição inteira, visite o site:
http://www.youtube.com/watch?v=WlBiLNN1NhQ
E também visite o site abaixo, para descobrir novos tesouros:
http://caraminholasdealine.blogspot.com/

sábado, 8 de maio de 2010

Teoria do Camarão

Nos meus brevíssimos 4 meses em Belo Horizonte, morando com meus pais, eu tive uma motorista particular que me levava e buscava das inúmeras sedes do curso de inglês onde eu lecionava: a minha mãe.


Com 33 anos e depois de ter viajado sozinha pelo mundo por quase 6 deles, ela ainda temia pela minha segurança naquela "cidade estranha" e acordava às seis e pouco da manhã, para me deixar na porta da escola. Como retribuição a esses sacrifícios diários (porque a minha velha é muito chegada numa cama), eu aceitava almoçar com ela num dos shopping centers mais caros de BH, para ela poder comer o que mais gostava: camarões imensos, acompanhados de outras coisas mais comuns e menos saborosas.

No entanto, para minha total surpresa e quase indignação, ela nunca começava a refeição por aquilo que tanto tinha esperado e sempre deixava o melhor bocado para a última garfada. Eu costumava dizer (num tom de brincadeira que ela jamais entendeu) que, se ela batesse as botas naquele exato momento, milésimos de segundos antes de colocar o camarão na boca e senti-lo com a língua já encharcada de saliva, ela não teria aproveitado o melhor do almoço, a razão primeira de estarmos naquele lugar.

Mas ela não é a única.

Todas as vezes que preparo duas torradas e dois ovos estalados para o café-da-manhã do meu marido, presencio uma cena semelhante: ele devorando a periferia; comendo as bordas queimadas do pão e a não-tão-interessante clara; circundando a tão desejada gema mole com destreza cirúrgica para, então, abocanhá-la de um só golpe, sem misericórdia alguma.

E eu me pergunto o porquê do hábito generalizado da procrastinação.
Por que adiar o prazer? Por que se empanturrar, sobrecarregar o corpo com aquilo que não se gosta “muito” e deixar o melhor para o final, quando já não há tanto apetite ou espaço no estômago? Por que passar pela vida de maneira medíocre, árdua e insípida, para aproveitar uma aposentadoria segura e confortável, quando já não se tem mais a saúde e a juventude de antes?

A resposta (irônica) a essas questões todo mundo sabe.

Apesar de sermos a única espécie no planeta a ter consciência da morte, preferimos ignorar sua existência; preferimos acreditar nos dados do último censo e planejar cada ano dos 50 que esperamos ter pela frente, sem considerar qualquer outra possibilidade (como a teoria do Camarão, por exemplo).

Eu sei que é insensato não ter um plano de saúde privado ou dinheiro investido em ações, quando se tem uma família para sustentar. Mas é possível, sim, aproveitar mais cada dia que respiramos sem cair no hedonismo; dedicar um tempo para fazer, hoje, as atividades que dão alegria e satisfação e não apenas dinheiro; começar a refeição pelo melhor bocado ou, pelo menos, dividi-lo e saboreá-lo entre uma garfada e outra. Mesmo sendo vegetariana, tenho certeza que deve ser mais prazeroso comer um camarão aqui e outro acolá do que nenhum.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Ser mãe é padecer.

As mais experientes já conhecem o sentimento; as de primeira viagem no mundo da maternidade provavemente já devem estar começando a experimentá-lo; mas são poucas (e depois de vários anos de terapia) as que confessam em voz alta que nenhuma mãe ama seu(s) rebento(s) 24 horas por dia, 365 dias por ano.


E foi aliviada dessa culpa que assisti à mais recente comédia de Steve Carell e Tina Fey, Date Night, lançada no Brasil como ”Uma Noite fora de Série”.

O enredo soa bastante familiar para os casais com filho(s) pequeno(s) e muito próximos de uma crise conjugal: rotina, trabalho, falta de tempo, poucas horas de sono, mais rotina, encontros maçantes mas necessários com os amigos, os mesmos jantares a dois, um pouco mais de rotina e uma atividade sexual inversamente proporcional à energia da prole.

Mas, para mim, não é a cena do Twice a week (“Duas vezes por semana”, já disponível online) o ponto alto da película. Nada é mais catártico do que as confissões da personagem Claire Foster.

Aos 20 e poucos minutos de filme, sentada à mesa de um caríssimo restaurante de Manhattan, ela diz para o marido que trocaria a filha Charlotte para comer, pelo resto da vida, o delicioso risoto que ainda saboreava. Depois, meio que se desculpa por ter verbalizado um pensamento inconsciente e afirma que apenas achou que aquilo seria legal de se dizer...

Que atire a primeira mamadeira quem nunca teve semelhante ideia. Eu, por exemplo, sou louca pela minha, mas sinto que poderia trocá-la, de vez em quando, por um suprimento vitalício de pasta ao pesto, um bom merlot e uma porção generosa de tiramisu.

Já no final do filme, Claire admite que, naqueles dias bem ruins, tem vontade de desaparecer, de ficar sozinha num quarto silencioso de hotel, com ar-condionado e uma Sprite Diet. Eu só peço uma hora diária na esteira da academia, queimando calorias e as frustrações (que ninguém conta) de ser mãe.

Porque ser mãe é padecer, e ponto final. Nada de reticências nem falsas promessas.

É até possível rir, em alguns momentos, desse papel tragi-cômico que desempenhamos até nosso derradeiro dia como mães, mas não dá para prometer às mártires vida eterna no paraíso, na companhia de 70 garotões não-virgens com os peitorais de Mark Wahlberg.

Para assistir ao trailer do filme e enteder o comentário acima, visite o site:
 http://www.youtube.com/watch?v=uSV4Y2l7JQg

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Ilhas da Fantasia

“Quando um convidado está pagando 50 mil dólares por uma estada de três dias na Ilha da Fantasia, ele merece milagres”.


Esse era o irresistível chamariz do seriado norte-americano que invadiu o horário nobre da televisão brasileira no início da década de 80. Foram 157 episódios com duração de 60 minutos, nos quais os anfitriões Sr. Roarke e Tattoo prometiam realizar qualquer desejo de quem pudesse bancar um final de semana neste paradisíaco pedaço de terra, em algum lugar do Oceano Pacífico.

É óbvio que a felicidade tem um preço, mas não se precisa ir tão longe nem pagar tão caro por ela.

Nas proximidades da costa noroeste da Europa continental, há outras seis mil ilhas que formam o arquipélago das Ilhas Britânicas, onde muitos sonhos de nativos, imigrantes e refugiados se tornam realidade e duram mais do que míseras 72 horas.

A 87 quilômetros da capital inglesa, num sossegado vilarejo do condado de Oxfordshire, eu venho realizando os meus há dois meses...

Já morei na Alemanha, já vivi na Dinamarca e até já visitei Bangkok e foi difícil de acreditar que, nas prateleiras de qualquer um dos 4 supermercados deste povoado (pouco maior que uma aldeia mas menor que uma cidade e com uma população de 17 mil e três habitantes), seja possível satisfazer os desejos gastronômicos de qualquer cidadão de qualquer parte do mundo. E tudo por um valor acessível!

Ah, se os produtores Aaron Spelling e Leonard Goldberg soubessem que, por menos de dez quid,
pode-se comer húmus marroquino em torradas suecas, acompanhadas de vinho tinto chileno; ou arroz selvagem com tofu e red curry tailandês; ou ainda o autêntico dal makhani indiano com naans fresquinhos, eles teriam desisitido daquela série de TV americana ou mudado sua locação para as Ilhas Britânicas das Fantasias Gastronômicas.

Para assistir ao tema de abertura da Ilha da Fantasia, visite o site:

terça-feira, 4 de maio de 2010

Pequenos milagres

Toda vez que me sobra algum tempo para observar este pequeno ser vivo em constante crescimento, processo de aprendizagem e produção de fraldas sujas, acredito que Deus (brasileiro ou indiano) tenha se enganado com o endereço dos verdadeiros pais da minha filha. Acho que era para a vizinha do andar de baixo do edifício onde eu morava em Bangalore (que já devia estar tentando uma menina há algum tempo), pois não temos o perfil de progenitores. Na verdade, ela sequer foi planejada; simplesmente “apareceu” num teste de gravidez de farmácia e invadiu nossas vidas, sem me dar uma última oportunidade para eu me despedir das bebidas alcoólicas e cafeinadas.


No entanto, à medida que esse mesmo tempo passa e ficamos mais apegados à nossa Pequena, mais aumenta o meu medo de que aquele mesmo Deus nos encontre neste minúsculo vilarejo da Inglaterra e mande alguém à nossa porta para buscá-la de volta.

Até que ela começa a choramingar, enquanto estou ocupada recolhendo a roupa seca ou aprontando a janta, e (com ou sem seus imensos e irresistíveis olhos castalhos a me seguir) sou eu que tenho vontade de sair pela porta e não voltar mais...

Infelizmente, ela não veio com manual de instrução nem trouxe um saco extra de paciência para sua inexperiente mãe. E por Deus, se não fossem os pequenos milagres criados pelo Homem, minha existência na terra de Winston Churchill (sim, o lendário primeiro-ministro inglês nasceu aqui perto, em Woodstock, no palácio de Blenheim) seria insuportavelmente monótona. E não me refiro à descoberta do fogo, nem à invenção da roda ou ao último lançamento em smartphones, mas a um subestimado e quase obsoleto aparelho receptor de ondas herztianas, o rádio.

Graças a ele e à falta de qualquer outro tipo de tecnologia disponível e instalada em nossa casa, minhas horas são preenchidas com sons diferentes do choro da minha filha. Desde que sintonizei na BBC de Oxford, não me sinto tão solitária e passo as manhãs escutando a saudosa música da minha adolescência e o inglês mais claro e compreensível da ilha (não é coincidência que Sir Churchill tenha sido um excelente orador), enquanto preparo o almoço do marido ou as mamadeiras da Pequena.

Desde que as ondas da FM 95.2 e as vozes de Malcom Boyden e Louisa Hannan invadiram (desta vez com permissão) minha vida, tenho a chance de entender um pouco mais sobre as questões que preocupam os habitantes de Oxfordshire; de rir com os comentários dos apresentadores; de me chocar com as manchetes do noticiário; de simpatizar com a vitória do time de futebol local; de me emocionar com as estórias da comunidade.

Graças a um pequeno milagre do Homem, me sinto novamente parte de algo mais importante do que meus problemas domésticos e consigo apreciar o maior de todos os milagres que já invadiram minha vida: os imensos e irresistíveis olhos castalhos da minha filha a me seguir...
E o seu chorinho.

Para escutar a BBC de Oxford, visite o site: http://news.bbc.co.uk/local/oxford/hi/tv_and_radio/