Nos meus brevíssimos 4 meses em Belo Horizonte, morando com meus pais, eu tive uma motorista particular que me levava e buscava das inúmeras sedes do curso de inglês onde eu lecionava: a minha mãe.
Com 33 anos e depois de ter viajado sozinha pelo mundo por quase 6 deles, ela ainda temia pela minha segurança naquela "cidade estranha" e acordava às seis e pouco da manhã, para me deixar na porta da escola. Como retribuição a esses sacrifícios diários (porque a minha velha é muito chegada numa cama), eu aceitava almoçar com ela num dos shopping centers mais caros de BH, para ela poder comer o que mais gostava: camarões imensos, acompanhados de outras coisas mais comuns e menos saborosas.
No entanto, para minha total surpresa e quase indignação, ela nunca começava a refeição por aquilo que tanto tinha esperado e sempre deixava o melhor bocado para a última garfada. Eu costumava dizer (num tom de brincadeira que ela jamais entendeu) que, se ela batesse as botas naquele exato momento, milésimos de segundos antes de colocar o camarão na boca e senti-lo com a língua já encharcada de saliva, ela não teria aproveitado o melhor do almoço, a razão primeira de estarmos naquele lugar.
Mas ela não é a única.
Todas as vezes que preparo duas torradas e dois ovos estalados para o café-da-manhã do meu marido, presencio uma cena semelhante: ele devorando a periferia; comendo as bordas queimadas do pão e a não-tão-interessante clara; circundando a tão desejada gema mole com destreza cirúrgica para, então, abocanhá-la de um só golpe, sem misericórdia alguma.
E eu me pergunto o porquê do hábito generalizado da procrastinação.
Por que adiar o prazer? Por que se empanturrar, sobrecarregar o corpo com aquilo que não se gosta “muito” e deixar o melhor para o final, quando já não há tanto apetite ou espaço no estômago? Por que passar pela vida de maneira medíocre, árdua e insípida, para aproveitar uma aposentadoria segura e confortável, quando já não se tem mais a saúde e a juventude de antes?
A resposta (irônica) a essas questões todo mundo sabe.
Apesar de sermos a única espécie no planeta a ter consciência da morte, preferimos ignorar sua existência; preferimos acreditar nos dados do último censo e planejar cada ano dos 50 que esperamos ter pela frente, sem considerar qualquer outra possibilidade (como a teoria do Camarão, por exemplo).
Eu sei que é insensato não ter um plano de saúde privado ou dinheiro investido em ações, quando se tem uma família para sustentar. Mas é possível, sim, aproveitar mais cada dia que respiramos sem cair no hedonismo; dedicar um tempo para fazer, hoje, as atividades que dão alegria e satisfação e não apenas dinheiro; começar a refeição pelo melhor bocado ou, pelo menos, dividi-lo e saboreá-lo entre uma garfada e outra. Mesmo sendo vegetariana, tenho certeza que deve ser mais prazeroso comer um camarão aqui e outro acolá do que nenhum.
3 comentários:
Adorei!
Carpe Diem!
Sobre a Teoria do Camarão,quando se deixa o mais gostoso para comer no final da refeição, acredito que seja para ficar com o gostinho do "bom" na boca.
Nunca se pensa que não vamos ter tempo para saborear o melhor da vida...
É só a sobremesa que fica para o final e depende da sobremesa ....
Bjos.
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