quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Carma indiano

De acordo com as mais recentes estatísticas, somos quase 6,5 bilhões de habitantes no planeta Terra. Dentre toda essa gente, umas vinte têm real importância pra mim e outras duas dezenas já tiveram alguma relevância em algum ponto da minha vida.  Isso deve se repetir, de maneira mais ou menos similar, para cada um de nós.

Passamos tempos morando num lugar, cumprindo uma determinada rotina e envolvidos num mesmo círculo de amigos e familiares e, de repente, o ato de uma única pessoa tem o poder de mudar nossa história irremediavelmente. Foi assim que conheci meu marido.

Nenhum dos dois queria, de fato, estar naquele lugar.

Eu tinha acabado de ter um relacionamento findo por e-mail, com direito a fotos anexadas de jogadores de futebol levando pontapés no traseiro (o que esperar, em pleno século 21, de um namorado oito anos mais jovem e vivendo num outro continente?). Mas era o aniversário de um amigo e, após muita insistência, resolvi me unir ao grupo e ir ao tal clube noturno.
Ele recém tinha chegado a Bangalore, era novo na cidade e passara os últimos dias vomitando. Mas, a convite do próprio médico, também se encontrava no local.

E foi assim que algo maior e mais poderoso que qualquer um de nossos planos mundanos se manifestou e ligou nossas vidas. Já são quase seis anos juntos, separados, juntos, separados e finalmente casados. E, se tantos acontecimentos não tivessem sido suficientes para alterar o curso de nossas histórias, faltava a entrada de uma personagem-chave para dar tempero à nossa novela indiana pessoal: a mãe do marido.

Descobri que todas aquelas piadas sobre “ela” não são apenas folclore ou crendice popular. Ela existe e a minha é realmente o esterótipo universal da sogra, com o agravante de morar debaixo do mesmo teto. E ainda não consegui ter certeza se o fato de não termos uma língua em comum é uma vantagem a meu favor (pois não preciso escutar suas queixas e lamúrias) ou um ponto negativo para a relação conjugal (já que ela desfia o rosário diretamente para o filho).

O que me causa mais temor, no entanto, são nossas similaridades.
Ela representa quase tudo o que qualquer mulher ocidental de bom senso repudiaria: submissão e obediência ao marido, devoção aos filhos, veneração às figuras religiosas e abnegação da própria feminilidade.
Ela só existe para servir os homens ao seu redor.

E, apesar de tão distantes, odeio ter que reconhecer que estamos muito próximas em pensamento e ação. Segundo a ponte que nos mantém unidas, o marido-e-filho, temos preocupações semelhantes em relação à família e nos comportamos de forma parecida quando o assunto é a administração (econômica) da casa.

Estranhamente, acredito que seríamos boas amigas numa outra encarnação, mas o modo como ela parece ter se entregado à fatalidade de seu destino de mulher indiana me provoca repulsa, desconforto e medo. Não quero seguir o mesmo caminho descendente, rumo à depressão e à completa apatia. Não com uma menina de apenas dez meses para criar e educar.

Mas a resistência a esse modelo tem produzido tensão entre os membros do lado paterno da família. Qualquer transgressão dos costumes é interpretada como desrespeito, e uma mulher-nora-e-cunhada não tem muito direito à opinião própria. O caminho do meio seria o mais sensato mas é o menos provável a ser trilhado, quando os obstáculos envolvem crenças arcaicas e profundamente enraizadas nas tradições de um povo.

Uma amiga me disse recentemente para não me preocupar, pois até sogras têm data de validade. Isso, por si só, já é preocupante, porque a mãe da minha tem mais de 80 e, se a genética prevalecer, ainda tenho 30 anos de convivência com a sogra. E não sei se vou conseguir sabedoria para aprender mais uma lição cármica ou se, novamente, vou acabar fugindo.

Dessa vez, do meu carma indiano.

Um comentário:

Ana Dos Santos disse...

é...isso é que é carma, sofro do mesmo mal, mas penso que nunca seremos como elas, e sim como nossas mães, mulheres do século XX, então, azar o das sogras...os filhos delas é que nos escolheram!