terça-feira, 14 de setembro de 2010

A minha razão

Nunca sonhei em ser mãe. Ou em ter uma família.

Desde os quinze anos, a única coisa que eu desejava ardentemente era visitar cada cantinho singular deste imenso e diversificado planeta.
Mas não superficialmente.

Eu queria ser uma “quase” nativa e conhecer os atalhos mais secretos do lugar e os mercados e restaurantes mais bem guardados dos estrangeiros.

Eu queria atravessar o Saara num camelo, dormir no deserto com os Tuaregues e me perder nas ruas da maior cidade do mundo árabe, o Cairo. Eu queria descer a América do Sul num furgão, de Machu Picchu até o Ushuaia, dando um mergulho na Laguna Verde boliviana e dançando um tango em Buenos Aires.

Queria ser uma japonesa de quimono, uma padeira italiana e uma fabricante de camembert no noroeste da França.

Eu queria ser muitas pessoas e ter muitas vidas, mas hoje eu sou apenas uma mãe, brasileira de 35 anos, casada e morando num vilarejo da Inglaterra. Uma mulher que já desempenhou outros papéis e que não tem mais certeza de poder atuar em outros cenários, desde que permitiu a entrada de outros dois importantes personagens na sua vida.

Sim, eu me deixei engravidar porque estava cansada do monólogo.

A excitação de pisar em palcos diferentes, apenas com a minha inseparável mala de 23 quilos, estava desaparencendo. A ideia de acordar em cidades exuberantes, de comer e beber coisas típicas e de presenciar o pôr-do-sol sozinha não mais me fascinava.

Faltava algo... Alguém... Ela... A minha família.

Mas, desde a gravidez, eu me perguntava o motivo de ser ter filhos.
Por que passar por nove torturantes meses de enjoo, azia, dor nas costas, constipação e noites sem sono? Não pode simplesmente ser para a perpetuação da espécie! Ou não haveria adoção. Também não pode ser apenas a satisfação do instinto materno de amamentar, cuidar e educar. Senão, só haveria a adoção de bebês e não precisaríamos de creches ou escolas. E não pode ser para dar uma razão à vida do casal, pois há milhares de mães (e pais solteiros ou viúvos ou separados) que voltam ao trabalho e à carreira em questão de meses após o nascimento dos filhos. E é, definitivamente, impossível que seja para dividir e compartilhar momentos de felicidade, já que eles não são tantos assim e sobram os de choro, preocupação e sacrifício.

Então, por que tê-los? Por que desejá-los? Por que pensar neles e nos seus quartinhos enfeitados e roupinhas minúsculas?

Eu não tenho a resposta.

Só sei que, no meu caso, apesar dos meses de tortura e dos momentos de aflição, eu precisava dela na minha vida. Deles... Dos dois... Mesmo sem nunca ter sonhado com uma família e mesmo que este seja o mais comum e ordinário dos papéis que uma mulher possa desempenhar aqui, no Brasil, no Japão, na Itália ou na Normandia. Mas de maneira nada superficial.

Porque ser mãe é aprender mais do que ensinar e eu tenho que assistir a muitas aulas com a minha filha (principlmente as de paciência).

E, quem sabe daqui a alguns anos, eu consiga voltar a visitar cada cantinho singular deste imenso e diversificado planeta.
Acompanhada.

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito tocante o teu texto. Amei!
Grande beijo, com carinho,
Aline

Helo disse...

Interessante! Programamos nosso caminho, mas a vida é imprevisível.
Não é o consciente quem decide por onde devemos andar, mas o inconsciente quem faz acontecer...
bjs