segunda-feira, 19 de julho de 2010

O efe de cada dia

Sei que às vezes reclamo da choradeira que a minha Pequena tem feito ultimamente, mas devo agradecer a todos os deuses indianos por não ser pior, pois nunca chorei tanto na vida do que no período em que a esperava.


No primeiro trimestre da gravidez, era por causa dos problemas físicos que a surpresa tinha trazido. Ainda que o pai da futura criança estivesse vivendo no mesmo país, eu morava completamente sozinha em Bangalore e a quatro andares do chão. O que, no início, parecia ter sido uma ótima ideia para manter minha privacidade, acabou se tornando um suplício à medida que o tempo passava, a barriga crescia e eu precisava me arrastar escada acima com sacolas de compras, até chegar sem fôlego no meu apartamento. Isso sem mencionar os exames pré-natais que tive de fazer por conta própria, chacoalhando em auto-rickshaws durante os meses de calor infernal no sul da Índia.

Depois veio a decisão de casar em segredo, o que transformou nossas vidas num verdadeiro calvário bíblico. Tudo o que poderia acontecer para dificultar, atrapalhar e retardar o ato religioso, de fato aconteceu. Parecia que tínhamos que provar (financeiramente) a todo o mundo que realmente queríamos ficar juntos. E acabamos gastando mais dinheiro com propinas para azeitar as engrenagens da burocracia corrupta de Nova Déli do que com a cerimônia propriamente dita. Foram outros três meses de angústia e muitas lágrimas. Cheguei a mencionar que fui despejada dias antes de deixar Bangalore?

Mas o pior ainda estava guardado e embrulhado com as fitas coloridas do Diwali do ano anterior. Quando os pais do já casado indiano decidiram, sem muita alternativa, aceitar nossa união, meu pesadelo psicológico estava prestes a iniciar.

Duas semanas vivendo na casa dos sogros e conhecendo todos os familiares do meu marido. Quatorze dias tocando os pés dos mais velhos e hierarquicamente superiores a mim na família. Trezentas e trinta e seis horas vestindo kurtis largos para esconder a barriga já evidente. Vinte mil, cento e sessenta minutos ouvindo sobre os deveres e as responsabilidades de uma mulher punjabi. Um milhão, duzentos e nove mil e seiscentos segundos me arrependendo de ter mudado de religião, de nome, de identidade.

Ainda tinha minha passagem só de volta para o Brasil, mas sabia que era tarde demais. Qualquer que fosse a minha decisão depois do parto, machucaria profundamente uma (eu mesma) ou mais pessoas.

Por isso, meu terceiro e último trimestre como grávida foi o mais traumático em termos emocionais. Eu só chorava e aumentava de tamanho e chorava e brigava com a pessoa que me acolheu e mais se preparou para receber a minha filha: a minha mãe.

Eu estava tão perturbada que precisei procurar ajuda profissional.
Foi outro erro.
Nunca, jamais e em hipótese alguma, uma mulher naquele estado psicológico e com trinta e poucas semanas de gravidez deveria fazer terapia e dividir seus sonhos com uma especialista junguiana. Foi como acender um fósforo num posto de gasolina! E o incêndio só pôde ser contido graças a uma maravilha da ciência farmacêutica; a felicidade em comprimido: o anti-depressivo.

Minha vida mudou.

Meu código postal e meus planos para o futuro imediato também. No momento, não moro na Índia com meus sogros e meu cunhado; não tenho que visitar o sem-número de familiares do meu marido; não preciso baixar a cabeça em respeito a ninguém, nem disfarçar a barriga; mas minha religião, meu nome e minha identidade não são mais os mesmos. E as chances de um dia voltar ao país onde tudo isso começou continuam tangíveis e palpáveis, muito mais reais que a dose de 20mg de felicidade que tomo diariamente para não iniciar outro incêndio.
E para manter a paciência quando a minha filha tem um de seus acessos de choro.
É a vez dela.

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