quarta-feira, 30 de junho de 2010

O Senhor Richards

Não foi necessário o diagnóstico de um pediatra experiente nem um exame de audiometria mais acurado, para avaliar a audição da minha filha. Poucas horas depois do nascimento, no quarto do hospital, meu marido abriu uma latinha de refrigerante perto dela e seu sobressalto deixou claro para todos que ela não apresentava nenhum problema auditivo.


Bem, ainda é cedo para ter certeza absoluta. Ela responde muito bem aos estímulos sonoros e já balbucia alguns vocábulos, mas até ter uns três anos de idade, ser capaz de formar frases com mais de duas palavras e pronunciar letras como o R e o L corretamente, o perigo da surdez ainda existe. Mas, por enquanto, desde aquele incidente ocorrido há quase 8 meses, não houve motivos para preocupação.

Pelo contrário. Às vezes, tenho a impressão de que o susto provocou algum tipo de trauma e sua tolerância para os ruídos do ambiente é baixíssima. Qualquer barulho acima de 50 decibéis de intensidade pode iniciar uma crise de choro e preciso ser muito cuidadosa ao usar o liquidificador e fazer batidas e papinhas. Dormir requer escuridão total e um silêncio só quebrado por canções de ninar.

No entanto, este padrão de comportamento muda na presença dele: um aspirador velho e perneta, modelo Morphy Richards de 1600W da CE, que não necessita de sacola para o pó e que nos foi emprestado pelo proprietário da casa alugada onde moramos.

Ele engasga de vez em quando, se movimenta com dificuldade e tem uma parte do fio desencapada, mas, para a minha filha, idade e aparência não importam. Todas as manhãs, quando tiro o senhor Richards do armário e coloco-o à luz do nosso quarto acarpetado, ela sorri em antecipação, bota a língua pra fora e nos acompanha com seu olhar de completo maravilhamento.

A (inexplicável) alegria dura pouco e, assim que o aspirador de pó é desligado, ela faz beicinho e, infalivelmente, chora! Não consigo entender essa menina: o fim de um barulho constante e quase beirando o desconfortável lhe deixa mais inconsolável que uma breve buzinada do nosso carro.

E, mesmo que agradável (pra ela), a longo prazo tal exposição pode, sim, causar a perda da audição, ainda que temporariamente.

Mas dá uma vontade de chamar o Sr. Richards toda vez que a choradeira começa...

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