quarta-feira, 9 de junho de 2010

Sobrevivente

Cruzei meu caminho com o de April Wheeler em 2008, quando o filme de Sam Mendes (baseado na novela de Richard Yates) foi lançado e eu ainda era a pessoa que pensava ser.


A empatia com a personagem interpretada por Kate Winslet foi imediata e terminei de corrigir as legendas em português para o DVD com um imenso nó na garganta, uma dor aguda no peito e um terrível pressentimento. Mesmo antes de ter passado pelo terremoto existencial e psicológico que destruiria as estruturas do meu EU como solteira e pré-grávida, a estória de Yates sobre um ordinário casal norte-americano da década de 50 me pareceu um aviso do que estava por vir.

Assim como April, eu também achava que tinha um relacionamento especial, que éramos diferentes e estávamos destinados a uma vida fora do comum. Assim como ela, também sofro com a entediante rotina de esposa-mãe-e-dona-de-casa e acredito que a mudança de ares pode mudar o foco dos problemas de um casamento já em processo avançado de erosão.

Mas cá estava eu na cozinha da nossa casa alugada (não na Revolutionary Road dos Wheelers, mas na Edinburgh Drive dos J.s), preparando o jantar para um casal de indianos, vestida a caráter com meu respeitável kurti e preocupada se eu passaria pelo crivo deles. Era o segundo dia consecutivo que entretinha os colegas do meu marido e suas respectivas esposas, mas a única diferença deste para o anterior é que eles também tinham uma filha pequena e, consequentemente, parecíamos mais afins.

As horas se arrastaram de maneira agradável e cordial e, enquanto os homens conversavam sobre trabalho na sala de estar, com um copo de uísque na mão, as mulheres segregavam-se no outro canto da casa, bebericando vinho branco e trocando ideias de como criar as meninas e decorar seus quartos de volta a Índia. A minha se comportou maravilhosamente bem e foi para a cama logo depois do banho, sem choradeira e no horário de costume, dando a chance para os adultos se conhecerem melhor e terminarem a janta, já embriagados, com um amistoso jogo de perguntas (inúteis) e respostas (superficiais).

A noite foi um sucesso: tive minha comida elogiada, meu sotaque indiano reconhecido e minha incrível semelhança com uma mulher punjabi constantemente trazida à tona. Nos despedimos com abraços calorosos e promessas de um imperativo encontro das duas famílias.

Ao abanar sorrindo para o carro que sumia à distância, novamente o nó na garganta, a dor no peito e o pressentimento. Aquilo era tudo o que eu podia sonhar nesse meu novo papel como esposa-mãe-e-dona-de-casa. Só espero não conceber acidentalmente pela segunda vez e ter o mesmo fim trágico de April Wheeler, pois o meu EU como solteira e pré-grávida ainda respira debaixo dos escombros.