quinta-feira, 1 de abril de 2010

Coisas da Índia

Não sei se Deus é, de fato, brasileiro, mas que todos os parentes dele são indianos não tenho dúvida. Aqui, respira-se religião o dia inteiro.

Em apenas horas circulando por qualquer cidade da Índia, encontram-se mulheres hindus nos seus saris coloridíssimos, homens sikh com metros de pano enrolados na cabeça, crianças com o típico chapéu muçulmano e velhas freiras em hábitos desbotados.

Mas deixar de lado o óbvio e prestar atenção nos detalhes é ainda mais fascinante.

Sou acordada diariamente por um vizinho hindu, entoando o mais poderoso entre os mantras, a palavra OM. Depois dele, vem o mulah no minarete mais alto da mesquita mais próxima do meu condomínio, chamando os fiéis para a primeira oração do dia. Então, saio de casa e sempre me deparo com uma pilha de sandálias e chinelos do lado de fora dos outros apartamentos, porque, entre os indianos, é sinal de respeito não levar sujeira da rua para dentro da casa de ninguém. Assim, as visitas são feitas de pé descalços.


E por falar nele, mulheres casadas não podem esquecer os anéis nos dedinhos do pé e as tornozeleiras de prata ou de ouro, finas ou grossas, dependendo da casta e da situação financeira, mas sempre barulhentas.


Pelas ruas, há templos por todos os lados, inclusive dentro de árvores, em cima de pedras ou onde for possível cravar a imagem de um dos deuses indianos e colocar uma vela para queimar.


Os comerciantes também fazem a parte deles e, diariamente, acendem incensos na frente das lojas ou até nas carroças de frutas e verduras ou dentro dos rickshaws. E para afastar o olho gordo dos invejosos, independente de casta ou religião, eles penduram uma máscara de um diabo com a língua para fora de diversas cores, tamanhos e materiais, em todo o qualquer tipo de edificação. Já os motoristas, penduram amarrados, no pára-choque do caminhão, alguns limões, pimentas e folhas de arruda. Para quê? Só Deus (e tem que ser indiano) para saber!


Algumas mulheres muito religiosas passam um pó amarelo no rosto (cúrcuma ou açafrão da terra), por ser considerado auspicioso. Outras jejuam no dia da lua cheia para trazer longevidade para os maridos. Se funciona, talvez algum cientista possa avaliar, mas que o ritual não diminui em nada o tamanho da barriga delas, tenho certeza.


E a comida é outro ritual extremamente importante entre os hindus, quase litúrgico.
Para se saborear, de fato, uma refeição, tem-se que comer com as mãos, ou melhor, com a mão direita e bem lavada. Assim, pode-se sentir melhor a temperatura, a textura, a energia da comida. E o resultado de cada refeição, sejam sons ou a própria digestão, são igualmente importantes e considerados atos normais. Arrotar à mesa é tão aceito quanto soluçar.


E para deixar claro até que ponto vai a religiosidade dos hindus, tem-se que entender como eles se comportam num dos mais básicos atos diários de qualquer ser vivo: a expulsão dos excrementos não aproveitados pelo corpo. Por medo de ofender um dos seus deuses, eles não podem defecar perto de templos ou lugares sagrados. Para não contaminar o solo, também estão proibidos de se aproximar de rios, lagos etc. O lugar deve ser escuro e, de preferência, coberto, para se evitar olhar o sol, a lua, as estrelas ou qualquer imagem ou criação divina. Assim, eles entram nesses banheiros de pés descalços (de novo, em sinal de respeito) e se acocoram num buraco cavado no chão de piso simples. Quando terminam, usam muita água e a mão esquerda para a limpeza. Papel higiênico é coisa realmente ocidental, porque eles não entendem a idéia de "guardar" algo tão impuro ao invés de se livrar dele imediatamente. E dizem que o brasileiro é um povo religioso.

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