Um homem branco de 38 anos, com 1,73m de altura e pesando 70 quilos sai correndo de um edifício comercial da Borges de Medeiros, às 12h27 de quarta-feira. Ele veste uma camisa branca sem gravata e calça social preta. Ignorando a aproximação de um veículo motorizado de quatro rodas e cor prata, ele atravessa a rua e é atingido por este mesmo carro, caindo desacordado na via pública.
Forma-se uma multidão e uma viatura da polícia chega rapidamente ao local do acidente. Alguém comenta que a justiça tinha sido feita e que aquele batedor de carteiras (aparentemente fugindo da cena do crime) tinha recebido a punição que merecia. Outra voz protesta e diz que conhecia a vítima, que ele era um bom pai de família e só tentava ir ao hospital visitar o filho doente, durante o intervalo do almoço. Várias outras pessoas apresentaram informações diferentes (e por que não complementares?) sobre o mesmo homem branco de 38 anos, com 1,73m de altura e pesando 70 quilos que saiu correndo de um edifício comercial da Borges de Medeiros, às 12h27 de quarta-feira...
Esta narração foi uma das maneiras mais interessantes que escutei para chegar a uma definição da “Verdade”. E ela foi feita fora da Faculdade de Jornalismo! Na verdade, foi relatada por um professor de História de um cursinho pré-vestibular (cuja quantidade de massa cinzenta era inversamente proporcional à sua massa corpórea), que a partir dela demonstrou como um acontecimento banal do cotidiano com personagens extremamente comuns pode ter diferentes interpretações, dependo do ângulo em que se observa tal evento.
É por isso que o vocábulo escolhido para este blog foi sem o Agá maiúsculo.
Ainda que esteja em franco desuso (nem aparece mais nos dicionários de língua portuguesa editados em Portugal) e que a diferença não seja realmente significativa, prefiro dividir Estórias, porque o termo sempre esteve associado a fábulas, lendas e contos de ficção. Não que as minhas sejam criações de uma imaginação fértil, pois mantenho os cacoetes (=hábitos próprios de uma pessoa ou de um grupo; sestro, mania) da antiga profissão de jornalista. Mas porque elas não pretendem ser uma fria exposição de fatos relativos a um determinado acontecimento da minha vida; não são a “Verdade” sobre a Índia ou qualquer outro lugar que eu tenha passado; são apenas o meu ângulo de observação, a minha versão do evento contada com as minhas palavras.
Assim, as minhas estórias são sem agá.
Um comentário:
Sem agá,como as "estórias" de Guimarães Rosa... Tá bem acompanhada, hein?
Teus textos tão super bons! Beijos
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