Pelo menos, era desse modo que pensava o poeta latino Ovídio, ao escrever, por volta do ano 8 dC, a obra-prima sobre mitologia clássica, Metamorfoses.
Nela, a ficção e a realidade do mundo greco-romano da época são costuradas em 15 livros e 12 mil versos que narram as consequências trágicas e sublimes do amor: o incesto, o crime, a loucura, a mudança de forma... É nela que, originalmente, se encontra o termo licantropia, associado ao Rei Licaão ou Licaonte. Segundo Ovídio, o primeiro soberano mítico da Arcádia ousou oferecer carne humana a Zeus e foi severamente punido, tendo sido transformado em lobo.
Nascia, assim, o primeiro lobisomem da literatura.
Mais de 2000 anos depois, essa lenda se espalhou muito além dos limites do antigo Império Romano e foi adquirindo as cores e detalhes locais (dependendo de onde ela era contada), até virar película, em 1943, e perder sua pluralidade na “pele” e atuação de Lon Chaney Jr como Lawrence Talbot. Hoje, qualquer homem que for amaldiçoado e mordido por um membro da espécie Canis lupus em noite de lua cheia (versão europeia) ou que for o sétimo filho de uma família com outras seis irmãs anteriores (versão brasileira) pode ser transformado nessa criatura antropomórfica.
O raro, passados dois mil anos, é ler algo sobre uma "lobi-mulher".
Até agora...
A minha metamorfose aconteceu ainda durante a gravidez.
Mesmo estando fisicamente bem e não apresentando sinais de hipertensão ou diabete gestacional, o caldo de hormônios na minha corrente sanguínea, fervido por quase 6 meses sobre o calor nada brando do sub-continente asiático, foi o que bastou para desequilibrar meu organismo, abrir a jaula do meu inconsciente e soltar a besta de dentro de mim.
Não sei se foi o amor extremo por outro ser que saiu do meu ventre ou o ciúmes (quase) doentio por ele provocado, mas, desde que minha filha veio ao mundo, tenho encarnado o personagem mitológico de Ovídio; tenho tido rompantes de cólera e ataques brutais de insanidade contra o mesmo homem que me ajudou a concebê-la; tenho enlouquecido um pouco a cada noite e tentado esquecer meus atos e palavras de crueldade durante o dia; tenho procurado domar a fera com medicação, para evitar a estaca de madeira ou a bala de prata enfiadas no peito; tenho desejado um amor mais sublime.
Talvez a omissão, na obra do poeta romano, sobre uma mulher-lobo tenha sido proposital.
Já é suficientemente assustador passar por uma transformação hormonal e psicológica a cada 28 dias; sentir tristeza e raiva durante a TPM e sangrar as entranhas até, literalmente, secá-las no final da idade fértil. Com tal “maldição” já pairando nas vidas reais das mulheres, Ovídio foi misericordioso ao escolher outras vítimas para sua poesia.
Para ler o texto de Ovídio traduzido em inglês, visite o site:
http://etext.virginia.edu/latin/ovid/trans/Metamorph.htm#488381098
Um comentário:
mulher é bicho esquisito, todo mês sangra...
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