sexta-feira, 9 de abril de 2010
Quando o verbo deixa de ser Amar
Faz mais de 9 semanas que não faço os pés.
Corto as unhas com regularidade, mas faz quase 70 dias que o esmalte vermelho com o qual tinha pintado-as no Brasil ainda está colorindo parte dos meus dedões.
Deve fazer o mesmo tempo que não me depilo, não me preocupo com o estado do meu cabelo (e só uso rabo-de-cavalo), nem com o constante cheiro de vômito de bebê nas minhas roupas que, por sinal, são sempre as mais largas do guarda-roupa e saem dele para o meu corpo (ainda parecido com o de grávida de 3 meses) inevitavelmente amassadas.
Eu bem que poderia alegar depressão pós-parto (não imediatamente após, pois já se passaram 5 meses) ou completa falta de tempo (absorta no meu novo emprego de turno integral como mãe-esposa-e-dona-de-casa), mas também não me importo em contar o motivo real do meu desleixo: desisti do meu casamento.
Desde a minha última e longa estada em Déli, na casa dos pais do meu marido, percebi o tamanho do erro que tinha cometido ao me casar com um indiano de uma obscura religião e com uma mentalidade tão diferente. Se não bastassem o alcoolismo do meu sogro e a depressão da minha sogra, a perspectiva de criar minha filha numa família que não aceita a mulher em jeans, saia ou manga cavada e que escuta o canal de TV religioso entoando o mesmo mantra (waheguru) o dia inteiro é mais do que assustadora, é de enlouquecer.
"Sim", os mais apressados vão perguntar, "mas se eu já sabia de tudo isso quando ainda estava grávida, por que casei com o rapaz? E por que voltei para a Índia?"
Só tenho a ignorância em minha defesa, por mais contraditório que possa soar. Não conhecia os avós paternos da minha filha até ela nascer, nem meu marido no seu território familiar. Não tinha ideia dos costumes que envolviam as crianças até ela abrir o berreiro sempre que era sacodida no ar por todos os parentes que visitávamos (e não foram poucos).
"Bem", os mais experientes vão dizer, "qualquer relação é difícil e requer paciência e tempo para ser ajustada. Quando estivermos os três sozinhos, as coisas vão melhorar."
Conto com a prática da inferência a meu favor. Trabalhando na indústria da legendagem há mais de 4 anos, assisti a tantos filmes que já sou capaz de deduzir o desfecho da trama logo nos primeiros 15 minutos. Por isso, passar o restante da minha vida adulta num casamento fadado ao fracasso é como ficar na sessão de cinema até aparecer os créditos finais: desperdiçar a oportunidade de fazer algo melhor, só porque se pagou pelo ingresso.
"Então", os mais jovens vão sugerir, "por que continuar? Por que não se separam?"
Esta é precisamente a finalidade do meu plano, já com a fase 2 em andamento, uma vez que esses quase 70 dias de incúria não foram suficientes para abalar a crença do meu marido sikh na máxima da igreja católica, quando o assunto é matrimônio: “...até que a morte os separe”. Fruto típico da árvore indiana, ele prefere acreditar nas razões cármicas que nos uniram e evitar a dissolução do casamento a qualquer custo, ainda que isso resulte em alcoolismo e depressão.
Um final bem previsível pra essa estória.
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2 comentários:
O importante é não desistir de ti mesma, cara mia! E ter sempre em mente que tens todo o apoio que precisares aqui no Novo Mundo. Va bene? Beijos grandes
parece uma inversão dos papéis: hoje em dia quem quer ficar preso a um casamento com filhos são os homens!
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